Em recente entrevista à revista Isto é, o Ministro da Educação Tarso Genro afirmou que o governo está promovendo uma “reforma universitária republicana”, baseada nos princípios da Revolução Francesa, e que esta era uma antiga reivindicação do movimento estudantil. O presente artigo procura desmentir esta propaganda governista. Para isto apresentamos um estudo inicial sobre a universidade latino americana, sua formação, suas particularidade, e principalmente sobre a luta travada pelos estudantes latinos nos séculos XIX e XX. Conhecer esta luta, seus objetivos e suas bandeiras é de fundamental importância para entendermos porque a “reforma” imposta pelo governo Lula/FMI não possui nenhuma vinculação com histórica luta dos estudantes. Muito ao contrário, as medidas implementadas pelo governo são opostas à reforma universitária defendida historicamente pelo movimento estudantil brasileiro.
A América Latina foi sacudida no início do século passado por insurgência estudantil em defesa da autêntica reforma universitária. Também no Brasil esta luta se fez presente por muitos anos. A confusão causada pelo governo federal, com sua propaganda demagógica sobre a “reforma universitária”, torna mais necessário do que nunca aprofundarmos o debate sobre este tema.
Só compreenderemos corretamente o que se passa em nossas universidades e o que realmente significam os ataques do governo se abalizarmos a formação e desenvolvimento histórico das universidades brasileiras e hispano-americanas. Esta é uma tarefa urgente para o movimento estudantil brasileiro, movimentar as idéias para mover a ação.
A universidade Hispano-Americana
“Hoje amanhecemos com uma vergonha a menos e uma liberdade a mais, as dores que ainda temos são as liberdades que nos faltam”. Manifesto após a conquista da reforma universitária dos estudantes de Córdoba, Argentina, 1918.
A história das universidades hispano-americanas corresponde à própria trajetória das sociedades latinas. As lutas universitárias por romper com o domínio colonial e feudal foram reflexos e influíram diretamente em toda a dinâmica da luta de classes nestes países. Ao analisar sua formação histórica, aparece uma expressiva diferença entre o desenvolvimento da educação superior na América Espanhola e na América Portuguesa. Enquanto a primeira era há mais de quatro séculos palco de importantes transformações, no Brasil as universidades nem mesmo existiam. Apesar do desenvolvimento desigual, ambas trazem vivas as pendências e a atualidade das lutas pela democratização das universidades.
Enquanto Portugal restringia o acesso ao ensino superior ao território da metrópole, a Espanha tem a política de implantar instituições de ensino superior dentro das colônias, a fim de produzir um contingente capaz de suprir a demanda de cargos burocráticos administrativos. Daí a primazia espanhola quanto ao ensino superior nas Américas. A fundação da primeira universidade das Américas se dá em 1538, em São Domingos, seguida da fundação da universidade de San Marcos no Peru, em 1551. A fundação da primeira universidade norte-americana, Harvard, só acontecerá em 1636, quando a América Latina já possuía mais de 13 instituições de ensino superior.
Próprio do domínio colonial, as universidades são importadas da metrópole assim como a cruz e a realeza, e correspondem à realidade européia da época. Sua fundação ocorre por um ato puramente administrativo, reproduzindo mecanicamente o contexto europeu de acordo com os interesses das classes dominantes locais. Apesar de passar por um período de efervescência científica e artística no período do renascimento e do iluminismo, o modelo de universidade trazido da Europa é o mais pobre e medieval da época, e funciona como uma alternativa de fortalecimento dos poderes eclesiásticos.
As universidades hispano-americanas se inspiram em duas matrizes, a Universidade de Salamanca e a Universidade de Alcala, ambas na Espanha e referências mundiais em ensino superior. Das seis universidades da época três seguem o modelo de Alcala as universidades de São Tomaz de Aquino em São Domingos, de Bogotá e a de Quito, no formato universidade convento, dirigidas diretamente pela Igreja e desvinculadas da responsabilidade do Estado. Estas são as antecessoras das universidades católicas privadas atuais.
Outras três universidades, a do México, a de Lima e de Santiago de La Paz seguiam o modelo de Salamanca, universidade estatal que possuía maior abertura, admitindo inclusive ensinar Copérnico, e que se guiava pelo princípio de universidade dos estudantes, de acordo com modelo de Bolonha (Itália) em oposição ao desenvolvido em Paris de “universidade dos professores”. Salamanca será a precursora das futuras universidades nacionais.
O modelo Salamanca influenciou positivamente as instituições latinas, tanto que a universidade do México em seus primeiros anos possuía um ensino de tendência humanista. Porém, com o movimento da Contra-Reforma da Igreja Católica na Europa, o modelo da universidade Alcala passa a ser hegemônico, tanto na Europa como na América, passando a formar novos quadros dirigentes para a chamada “conquista espiritual”. Durante todo este período, as universidades tiveram desenvolvimento precário, com poucos mestres e um número grande de alunos. A estrutura feudal das universidades latinas impunha um obstáculo ao desenvolvimento científico e mantinha o Ensino Superior atrelado aos interesses da Igreja e da burocracia local.
Apesar das dificuldades para seu desenvolvimento, as universidades cumpriram um importante papel na formação de um grande número de jovens que comporiam a vanguarda intelectual da sociedade. Durante o período colonial, a América Espanhola formou aproximadamente 150.000 graduados, estudantes que tiveram destacado papel no suporte teórico e prático dos processos de independência dos países da América Espanhola. Enquanto isso no Brasil apenas 2.500 estudantes foram graduados durante todo período colonial, todos formados em Coimbra (Portugal). O Brasil chega à “independência” em 1822 sem formar em seu território um estudante de nível superior sequer.
A derrubada do feudalismo na Europa e o advento da ciência moderna trazem novas perspectivas para a humanidade. A nova universidade marcada pela indissociação entre ensino e pesquisa (particularmente na Alemanha) transforma a universidade em palco de descobrimentos científicos extraordinários. A derrubada de velhos paradigmas religiosos sustentados pelos poderes eclesiásticos fez a ciência avançar a passos largos. Com o advento da República, a educação passa a ser um serviço público nacional de caráter laico.
Enquanto nos séculos XVIII e XIX, florescia o pensamento científico na Europa, as universidades latinas se viam petrificadas no atraso. A crise que se abate sobre elas, se apresenta como crise estrutural e ideológica. A apatia compunha parte da crise geral das sociedades latinas, dominadas pelas potências mercantis européias. As Universidades eram, então, meras reprodutoras dos pensamentos das oligarquias mais atrasadas. A luta por uma república livre soberana empurra os estudantes e intelectuais honestos latinos a uma luta de vida e morte contra os pensamentos oligárquicos e contra as próprias oligarquias. A arcaica estrutura universitária controlada pelo clero, a falta de democracia e de autonomia, somada aos métodos academicistas*, tolhiam qualquer desenvolvimento científico. Isto fez com que as universidades coloniais entrassem em uma profunda crise no final do século XIX.
Em fevereiro de 1908, se realiza o primeiro Congresso Americano de Estudantes em Montevidéu. O Congresso contou com a participação de quase todas organizações estudantis das Américas. Nele foram discutidos: orientação pedagógica, regime de exoneração (acabar com o controle do governo sobre a admissão/demissão do quadro docente), estudos livres, e regulamentação obrigatória (instituir o ensino superior como responsabilidade do Estado). Assim, o Congresso deu início a uma nova fase de integração entre as discussões e lutas universitárias latino-americanas. Levantou como bandeira principal a representação estudantil nos conselhos universitários, questão ratificada nos Congressos seguintes de Buenos Aires (1910) e Lima (1912). A participação indireta em conselhos universitários passou a ser rejeitada. Em 1910, foi dado o primeiro direito à voz a um estudante no conselho diretor da Universidade do México.
Em 1917, os estudantes de Córdoba protestaram contra fechamento Hospital Universitário e também pela manutenção das aulas práticas, mas não são atendidos. Montam então, um Comitê Pró-reforma Universitária e lançam o manifesto à juventude Argentina, onde dizem: “A Universidade Nacional de Córdoba ameaça ruir pelo trabalho anticientífico de suas academias, a inaptidão de seus dirigentes, pelo seu horror ao progresso e a cultura e por carecer de autoridade moral. A juventude universitária não pode ser cúmplice da catástrofe, queremos que seus corações e seu cérebro marchem a par com o ritmo ascendente e fecundo dos novos ideais”.
O movimento estudantil declara greve geral na Universidade de Córdoba em março de 1918. A universidade é fechada pelas autoridades acadêmicas e o governo intervém. O interventor instaura negociações, propondo uma nova eleição para a diretoria, mas os estudantes negam. No dia 15 de junho, os estudantes interromperam o ato eleitoral organizado pelo interventor, ocuparam a sala onde se reunia a Assembléia de professores com o novo reitor, e desconheceram a eleição. Em seguida se dirigiram ao presidente da república: “Estamos atravessando uma época de profunda renovação. A única autoridade que a coletividade estudantil reconhece é a deste superior governo”. Em resposta o governo argentino elaborou uma nova lei do ensino superior.
Em Buenos Aires foi fundada a FUA (Federação Universitária Argentina), o movimento se estende por todo o país, e esta convoca o primeiro Congresso de Estudantes Argentinos para avaliar a nova lei do ensino superior. Fechado por tempo indeterminado, o edifício da universidade de Córdoba é tomado para reiniciar as aulas sob a direção estudantil, 83 estudantes são detidos e processados pela rebelião. Então a greve estudantil se generalizou e alguns sindicatos aderiram. O governo foi obrigado a reformular os estatutos e convocar novas eleições; o filósofo Alejandro Korm foi eleito diretor da faculdade de letras e filosofia com o voto estudantil.
Da Argentina o movimento se expande rapidamente por toda a América Latina. Em 1919, os estudantes de San Marcos, Lima-Peru, aderiram ao ideário de reforma de Córdoba. No ano seguinte, o primeiro Congresso Nacional dos Estudantes, reunido em Cuzco, avançou em sua concepção decidindo pela criação das Universidades Populares Gonzáles Prada, que foi um dos melhores aportes da experiência peruana. Estas Universidades Populares reuniam estudantes, operários e intelectuais, ampliando muito o raio de influência da reforma. As reinvidicações dos estudantes peruanos depois de muitos vaivens foram atendidas pelo governo.
No México, após a derrota da revolução democrática de Emiliano Zapata, em meio a lutas radicalizadas, foi aprovada uma lei orgânica universitária, que determinava a participação de toda a comunidade na administração das escolas superiores. Entre os anos de 1929 e 1933 os estudantes desencadeiam a luta pela autonomia, conquistando-a e modificando o nome da instituição para Universidade Autônoma do México.
A luta pela reforma universitária, a partir de 1920, se desenvolveu também no Chile, Uruguai, Colômbia, Equador, Bolívia e Paraguai, e se estende à América Central e Caribe, eclodindo importantes lutas. Em 1928, em nosso país o movimento estudantil e intelectual, apesar de sua recém fundada Universidade do Brasil, foi diretamente influenciado pelas proposições democráticas. O movimento pela Reforma Universitária na América Espanhola foi vitorioso. Apesar das oligarquias coloniais e do imperialismo almejarem transformar as universidades latinas em reduto de sua ideologia, elas mostram ser um elo débil na sua dominação sobre as colônias.
Não foram poucas as conquistas obtidas pelos estudantes. A educação passou a ser reconhecida como um bem social e de interesse público, e se tornou responsabilidade do Estado a sua manutenção financeira. As instituições passaram a contar com plena autonomia para definir os objetivos e o conteúdo a ser ministrado, bem como a forma de organização e elaboração dos currículos, o que permitiu uma relativa independência em relação aos interesses das classes dominantes. Pesquisas e ensino se fundiram, deixando para trás o modelo de universidade colonial. Com o co-governo, os representantes eleitos dos estudantes e dos professores dirigem diretamente as universidades, garantindo a plena autonomia destas. As cátedras (cadeiras) livres permitiam aos professores ministrar suas aulas de forma independente, acabando com a interferência da Igreja nos conteúdos e métodos. Assim, concepções científicas comprovadas há anos puderam ser difundidas nas universidades. Aprofundou-se o debate sobre as questões sociais e filosóficas, transformando as Universidades Latinas em terreno fértil para as posições antifeudais e anticoloniais.
A universidade brasileira
O imperialismo e as classes dominantes lacaias, sempre buscaram controlar ou deter o desenvolvimento autônomo de nossas universidades. No início do século XIX, o país possuía apenas academias de carreira (Escola de Anatomia, Escola de Ginecologia e de Formação de Dentistas) criadas em 1808 pelo Marques de Pombal. As primeiras faculdades só surgirão em 1827 (em Olinda e São Paulo, ambas Faculdades de Direito).
A primeira universidade brasileira foi formalmente fundada em 1920, para que o presidente do Brasil pudesse conceder o título de Doutor Honoris Causa (título que só pode ser dado por uma uni versidade) ao Rei da Bélgica, que visitaria o país. A Universidade do Brasil reuniu as faculdades de Medicina, de Direito e a escola Politécnica, que já existiam isoladamente. Mais tarde passou a se chamar Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em seu início, o sistema de ensino superior brasileiro copia o modelo napoleônico de academias e centros de pesquisa isolados do ensino, exclusivamente voltados às funções técnicas, sem nenhum interesse no desenvolvimento científico.
Sob o impacto direto da luta pela reforma universitária na América Latina, o educador Anísio Teixeira, reunido com um grupo de intelectuais, tentou fundar a Universidade do Distrito Federal. Instituição que seria criada nos moldes das universidades reformadas latinas, com a reunião de ensino e pesquisa contando com cátedras livres, e representação estudantil. O projeto é rapidamente reprimido pelo governo federal, mas servirá de base para a fundação da UnB na década de 60.
O aumento do número de instituições de ensino superior em nosso país acontecerá nos anos 30 e 40, como necessidade do imperialismo e da burguesia burocrática. Para absorver o capital exportado pelas potências imperialistas a grande burguesia necessitava de um corpo técnico minimamente especializado. Por isto, o formato de nossa universidade já atendia exatamente as necessidades do mercado.
A USP – Universidade de São Paulo – é fundada em 1934. Mais do que uma simples reunião de escolas profissionalizantes é a primeira instituição a ter realmente o caráter de universidade, contava inclusive com autonomia, que foi respeitada somente nos primeiros anos. Nos estatutos da USP estão destacados os seus objetivos principais: no art. 1º – investigação para o progresso da ciência; art. 2º – ensino de conhecimentos que sejam úteis para o espírito e a vida; art. 3º – formação de especialistas em todas as áreas da cultura e de técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística. A USP surge incentivada pela burguesia paulista, que almejava ter em seu estado uma escola superior que pudesse preparar seus filhos para serem futuras lideranças políticas. Trouxeram para a USP nomes de peso internacional como o professor Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss.
Como o aumento do número de universidades foi impulsionado pelos interesses econômicos e políticos da burguesia burocrática os problemas do ensino superior no país não foram solucionados. O acesso às universidades ainda era restringidíssimo, tanto que até 1940 o Brasil contava com apenas 21.235 matrículas, havendo apenas um aglutinado de faculdades e seis universidades em fase de estruturação.Todas ainda carecendo de representação estudantil e autonomia.
Foi neste período de relativo crescimento do número de universidades que a educação superior brasileira sofreu um outro golpe. O Estado Novo de Vargas encabeçou a fundação da Faculdade Católica em 1941, denominada Universidade Católica em 46. Era o início do ensino superior privado incentivado pelo Estado. A gerência Vargas começou a implementar o modelo norte-americano de ensino pago (que ganhava força nos EUA como “via de modernização do ensino servindo ao desenvolvimento”). Esta é a base da disputa que oporá o ensino nacional público ao modelo tecnicista pago ianque, disputa que toma relevo ainda hoje.
No início da década de 60, o movimento estudantil brasileiro inicia uma ampla campanha por mais vagas e mais verbas. A luta por derrubar o arcaico sistema educacional do Brasil influencia aquela que seria a mais rica experiência da educação superior brasileira. Em 1960, um grupo de cientistas e intelectuais fundam a Universidade de Brasília, baseados na obra de Anísio Teixeira. Vitoriosa em seu início, a UnB tomou impulso e caminhava para ser uma verdadeira universidade nacional. Quanto a sua estrutura, o modelo tradicional de faculdades e cadeiras isoladas foi substituído por uma nova forma de organização, composta por três corpos: ensino, pesquisa e extensão cultural. Estes três corpos estavam integrados em uma estrutura funcional: o Instituto Central de Letras e Artes (Matemática, Física, Química, Biologia, Geociências, Ciências Humanas, Letras e Artes), as Faculdades profissionais (Ciências Agrárias, Ciências Médicas, Ciências Tecnológicas Ciências Políticas e Sócias, Arquitetura e Urbanismo e Educação) e, como complemento, uma Biblioteca Central, uma Editora, uma Rádio Difusora, um Estádio e um Museu.
A UnB possuía cátedras livres e autonomia. No entanto, sua formação era resultado do aumento da participação política da burguesia nacional no aparelho de Estado e não das lutas estudantis e populares, como aconteceu em muitos países da América Latina. Por isto a UnB não pôde avançar plenamente na concepção de reforma universitária. Sua maior deficiência está na pouca participação estudantil na direção da universidade, na ausência do co-governo, sempre apontado como primeiro ponto da reforma universitária.
O golpe militar atinge diretamente a desenvolvimento democrático que se gestava na Unb. A universidade é a que mais vezes é ocupada pelo exército no Brasil, superando inclusive as tradicionais universidades do Rio e SP, professores e diretores são demitidos, estudantes presos e o governo impõe um interventor já em 64 interrompendo seu processo de 4 anos. A UnB se tornou um grande foco de resistência ao golpe militar, professores e alunos protagonizaram grandes batalhas em defesa da universidade. O próprio Honestino Guimarães, que viria a ser presidente da UNE, fora presidente do DA de Geologia da UnB.
A luta pela democratização do ensino no Brasil
A maior luta pela democratização da universidade brasileira aconteceu no ano de 1962 com a “greve do 1/3”. Dirigida pela Une, esta mobilização exigia que os estudantes ocupassem 1/3 das cadeiras dos conselhos universitários. Foi uma greve histórica, que durou 85 dias e paralisou todas as universidades federais no país. O movimento atingiu um nível de radicalização tal que o exército ocupou por três dias a Universidade Federal do Ceará. A “greve do 1/3” foi acompanhada das lutas pela universidade pública e gratuita. Naquela época o acesso à universidade não se dava pelo processo eliminatório de hoje, o vestibular era classificatório, ou seja, todos que superassem o mínimo de pontos tinham direito à vaga nas universidades. Com o tempo cresceu enormemente o número de alunos aprovados, porém o Estado não atendia mais a demanda e muitos estudantes mesmo tendo o direito à vaga ficavam sem ela na prática, estes eram os excedentes.
Desde o governo João Goulart (1962), uma série de ataques do imperialismo contra as universidades começou a ser arquitetado. Foram os chamados acordos MEC/USAID, firmados entre os governos do Brasil e EUA e que reproduziam em nosso país o modelo norte-americano de escolas profissionalizantes para os pobres e universidades pagas para os ricos. As medidas previam o controle total das universidades pelo governo e a reinstalação de cobranças de mensalidades. O acordo lança a base de desenvolvimento do ensino superior para os anos posteriores, como sobre o financiamento, métodos pedagógicos e objetivos gerais do ensino no país. Os acordos, assim como a atual “reforma” do MEC/Banco Mundial, foram amplamente propagandeados pelos militares com o slogan de “reforma da universidade” para combater privilégios.
Em meio à luta contra os acordos MEC/USAID, a Une lançou a bandeira da reforma universitária. As consignas de Córdoba voltaram a agitar as universidades brasileiras. Em seu plano de lutas para os anos 66, 67 a Une levantou as reivindicações históricas de democratização das universidades, dentre elas:
Lutamos contra a transformação das universidades publicas em fundações privadas.
Educação funcional para todos (ensino profissionalizante).
Pelo ensino secundário voltado a formação profissional.
Ensino Popular: O ensino a serviço do povo.
Nacionalização [expansão] do ensino em todo o país.
Autonomia educacional e administrativa, gradativa diminuição das taxas estudantis até sua completa abolição.
O movimento estudantil moveu uma grande jornada de luta contra os acordos MEC/USAID, revelando o caráter colonial das medidas adotadas pela ditadura militar. As mobilizações dos anos de 66 e 67 conseguiram barrar o grosso das medidas governamentais, mantendo o caráter nacional de nossas universidades. Frente à intensa luta estudantil e popular no país o governo recuou na aplicação das medidas coloniais contra a educação superior.
Durante o governo Cardoso novamente um ataque concentrado à universidade foi realizado. Sua política sistemática de corte de verbas e de redução salarial conduziu a um sucateamento da educação nunca visto anteriormente, abrindo espaço para a privatização da universidade pública brasileira. Com a falta de verbas se criaram as condições para justificar a cobrança de taxas dos alunos. Neste período as universidades privadas tiveram seu grande “boom”, enquanto o ensino público se viu gradativamente tomado por fundações privadas.
Este processo de privatização aconteceu simultaneamente em toda América Latina, com necessidade de aprofundar seu domínio o imperialismo aproveita-se do refluxo geral das lutas revolucionárias no mundo. Os ataques aos direitos estudantis, conquistados há mais de meio século, reacenderam o movimento estudantil latino americano. A resistência mais importante aconteceu em 2000, no México, quando estudantes e servidores da UNAM organizam uma histórica greve de um ano, que garante a autonomia e a gratuidade da universidade.
Apesar de muitos direitos conquistados terem sofrido alguns retrocessos, importantes conquistas se mantêm de pé. Exemplo disto é a Universidade de San Marcos (Peru) que mesmo depois de ter sofrido inúmeros ataques, inclusive uma ocupação militar, seus três prédios principais continuam se chamando: pavilhão Marx, pavilhão Lênin e pavilhão Mao Tsetung. Na universidade de Ayacucho, também no Peru, ainda existe uma cadeira do ciclo básico, que reúne estudantes de toda universidade, que se chama Introdução ao Pensamento Científico, onde se estuda a teoria do conhecimento baseada em textos clássicos do marxismo. E ainda mais recentemente, as conquistas da Universidade Publica de El Alto (UPEA, Bolívia), conhecida como “a universidade mais revolucionária da América Latina”, que teve destacada participação na guerra do gás em 2003.
O modelo norte-americano de universidade para os países dominados
A burguesia norte-americana, assim como na Europa, derrubou completamente o velho modelo de universidade feudal. O EUA, ao contrário dos países latinos, viveu um verdadeiro processo de independência e de revolução burguesa, que possibilitou seu desenvolvimento capitalista pleno. A revolução burguesa norte-americana, de 1776, cumpriu o objetivo de libertar as forças produtivas, alavancando o desenvolvimento econômico e estabelecendo a burguesia ianque com classe dominante. Com isto a burguesia norte-americana modificou a estrutura universitária de acordo com suas necessidades.
Para o desenvolvimento capitalista, no que diz respeito à educação, dois pontos eram fundamentais: primeiro, acabar com o domínio da Igreja sobre as instituições de ensino, já que esta impedia o desenvolvimento cientifico necessário ao desenvolvimento industrial; e segundo, promover a integração entre pesquisa e ensino, elevando assim a capacidade de produção de conhecimento.
As universidades norte-americanas ao romperem com o vínculo feudal desenvolveram-se, em seus primeiros tempos, como universidades republicanas. Entretanto, com o advento do imperialismo a universidade norte-americana entra em decadência. O Estado reacionário ianque passou por um profundo processo de privatização que englobou também as universidades. Oficialmente seguiram sob o principio republicano de que a universidade é uma responsabilidade do Estado, porém na prática as universidades norte-americanas perderam seu caráter publico, ficando à mercê dos grandes monopólios que dominam a economia imperialista. A burguesia imperialista começou a atacar as conquistas democráticas da universidade, assim como depois de ter tomado o poder, passou a cassar os direitos adquiridos pelos operários na revolução burguesa.
Hoje todo sistema de ensino superior norte-americano é gerido por fundações privadas. O acesso não se dá por concursos públicos, ficando a critério de cada universidade, e é um dos mais restritos do mundo. Quem não vai para a universidade entra em um curso de formação profissional para que possa desempenhar funções puramente técnicas na indústria.
A principal forma de lucro extraída da educação não se dá pelo fato de serem pagos, mas sim pela mercantilização do conhecimento. Seus centros de pesquisa são extensões dos laboratórios das grandes empresas. As inovações tecnológicas das indústrias petrolíferas, farmacêuticas e de alta tecnologia advêm das universidades, substituindo o desenvolvimento da ciência pelo aperfeiçoamento tecnológico, de acordo com a demanda do mercado. Não é à toa que a Avon e a Merc foram as principais patrocinadoras dos acordos MEC-USAID.
As universidades norte-americanas também se transformaram em disseminadoras de falsas teorias sociais a fim de legitimar a concepção burguesa do mundo. Sem embargo, por mais que as classes dominantes ianques dominem seus centros de pesquisas, muitos estudantes e cientistas não aceitam seu controle.
As universidades norte-americanas se diferenciam do modelo feudal pela estrutura que reúne ensino e pesquisa, porém no que diz respeito ao acesso, ao seu caráter publico e à produção de conhecimento, abandonaram os princípios republicanos. As universidades reformadas latino-americanas são o que de mais avançado existe nas Américas, tanto pelo acesso, em sua maioria de massa, quanto pela autonomia.
O Brasil é um país com capitalista burocrático com uma arcaica estrutura fundiária. Todas as medidas do governo, como a própria proposta de “reforma”, servem à manutenção destas atrasadas relações. A universidade norte-americana funcionou como um importante instrumento de desenvolvimento em uma época e realidade específicas. Hoje, o modelo de universidade ianque é um grande inimigo da democratização da educação, quando aplicado aos países semi-coloniais servem a perpetuar a dominação imperialista. Corresponde à modernização do modelo napoleônico para a América Latina: no lugar da Igreja como barreira para o conhecimento se encontram os monopólios capitalistas. No lugar da mera formação de carreiras profissionais da universidade colonial temos a formação de mão de obra para as multinacionais no modelo tecnicista.
A “reforma” universitária do governo Lula-FMI é o maior ataque contra a universidade brasileira.
A educação superior brasileira se desenvolveu com atraso de quatro séculos diante dos demais países latinos, nunca passou por nenhuma reforma universitária em toda sua história, muito pelo contrário, foi alvo de sucessivas contra-reformas de acordo com as demandas da grande burguesia e do imperialismo.
Pelo fato de não ter levado a cabo seu processo de reforma, a universidade brasileira segue mantendo estruturas atrasadas que correspondem ainda ao modelo colonial de um conglomerado de faculdades autárquicas, sem uma estrutura central de estudo das ciências (como possuía a Unb até 64) para onde todos os cursos se convirjam. As universidades brasileiras são uma reunião de faculdades, integradas somente pelo setor administrativo, o que entra em contradição com o próprio conceito de universidade e limita a integração do conhecimento científico, restringindo este às necessidades da carreira. Nem mesmo direitos conquistados pela burguesia, em 1789, como o voto universal, existem nas universidades brasileiras. Quanto ao acesso o país possui um dos mais restritos da América Latina, ao lado da Guatemala, Honduras e Nicarágua. Na Argentina e no Uruguai, após a reforma universitária e até os dias atuais, o acesso à universidade é livre, não existe nenhum exame de classificação. Apesar de contar com diversas instituições de ensino superior, o Brasil possui pouquíssimas instituições de grande porte, se restringindo praticamente aos centros metropolitanos. Apenas a Faculdade de Economia de Buenos Aires possui 50.000 alunos.
A questão universitária é estratégica para as classes dominantes. Controlar as universidades é tentar deter qualquer desenvolvimento científico nacional, buscando perpetuar a dependência e a submissão econômica e ideológica aos países imperialistas. Toda a história das universidades demonstrou o papel destacado que tiveram nas lutas anti-coloniais do século passado e neste. É exatamente por lidar com conhecimento científico que as universidades são um local de constante e disputa ideológica entre a burguesia e o proletariado. Ao passo que as classes dominantes tentam construir ali sua Bastilha os estudantes e o povo lutam por transformá-las em um espaço democrático, difusor de conhecimento.
A reforma universitária é uma demanda histórica dos estudantes, corresponde a um largo processo de democratização da universidade, balizados no co-governo, autonomia e cátedras-livres. O co-governo como participação democrática dos estudantes nos rumos das universidades, garantindo assim a autonomia em relação ao Estado, e, as cátedras livres como própria difusão do conhecimento racional científico.
A atualidade da reforma universitária se mostra acesa nos fatos, em diversos países latinos estudantes desenvolvem acirradas lutas pela reforma e na defesa de direitos adquiridos. A Universidade Nacional de Engenharia do Peru, durante todo 2004, foi palco de enfrentamentos, greves e invasões de campus por parte da polícia, ali as bandeiras empunhadas são as mesmas dos estudantes de Córdoba.
Compreender a universidade simplesmente como um aparelho reprodutor da ideologia das classes dominantes é negar toda a história de lutas e conquistas das universidades latinas. As classes dominantes tentam através do controle da estrutura do Estado transformá-la em mera reprodutora da ideologia burguesa. Porém, como necessariamente lida com o conhecimento torna fragilizada a dominação estatal. Inevitavelmente nela produzirá lutas de contrários, opondo a verdade sobre a natureza e sociedade às falsificações da ideologia burguesa.
Resistir ao golpe contra os estudantes brasileiros
Os estudantes de Córdoba, de San Marcos, da UNAM, de El Alto, do Uruguai, enfrentaram a polícia e o exército para garantir sua autonomia, pelo co-governo, pelas cátedras livres. O MEC, agora, tenta por fim à pouca autonomia conquistada no Brasil, entregando o controle das instituições para as Fundações Privadas. A Une levantou na década de 60 a bandeira contra a transformação das universidades em fundações privadas, hoje a UNE/PCdoB apóia a institucionalização de sua existência nas universidades. Esta contra-reforma apresentada pelo governo aprofunda os acordos Mec-Usaid, barrados pelos estudantes, como via de aperfeiçoamento do controle da produção científica nacional.
Tentar passar este retrocesso como “reforma universitária” é pisotear nas históricas bandeiras dos estudantes, todas as medidas propostas e aplicadas, vão no sentido de perpetuar a dominação colonial em nosso país. Esta contra-reforma não representa avanço algum, pelo contrario é um retrocesso para a educação, para a ciência e para a nação. Institucionalizam o ensino privado, legalizam o papel das fundações nas universidades, dão dinheiro do povo aos grandes empresários da educação, e, tudo isso, embrulhado na demagogia do acesso fácil do PROUNI. Isto é um crime! É uma capa sofisticada para um conteúdo semifeudal.
Lutar contra a “reforma” é manter de pé a histórica bandeira de Córdoba e dos estudantes brasileiros de 68, defender o caráter público e gratuito de nossa universidade, conquistado com o suor e o sangue de nossos jovens, é nosso dever. Lutar contra o este projeto, bem como, levantar a bandeira da democratização das escolas e universidades, lutar pela verdadeira autonomia, desmascarar a farsa do governo, lutar por cátedras livres, lutar pelo verdadeiro co-governo estudantil. “Lutar, Lutar e Lutar!”
* Academicista: modelo das universidades coloniais correspondiam às universidades européias da Idade Média, que possuíam a pesquisa dissociada do ensino. Existiam institutos de pesquisa, como museus e jardins botânicos, isolados das faculdades, que por sua vez possuíam formação apenas de academias de carreira, como direito, anatomia, dentistas, letras, necessárias a atender apenas as demandas do mercado.