“O homem sofre para se tornar um soldado. O comandante, para disciplinar suas tropas. Mas ainda é mais difícil fazer a guerra”.
A importância de obras literárias como Às portas de Moscou (também chamada A estrada de Volokolamsk) atravessa os limites temporais. O registro histórico da bravura dos combatentes soviéticos no combate à besta nazifascista, que o livro retrata, pode fazê-la parecer quase como um superpoder, porém trata-se da simples e pura decisão de viver em função de uma causa, no caso, a defesa da primeira pátria soviética, superando a iminência da morte. Este é um exemplo do poder de uma ideologia verdadeiramente encarnada e levada adiante nos momentos tempestuosos.
O livro é como uma escrita literal, pelo romancista Aleksandr Bek, do que foi narrado anos depois pelo comandante de batalhão, Baurdjan Momych-Uli, encarregado de defender a estrada de Volokolamsk, que dava acesso à capital Moscou – objetivo estratégico imediato dos nazistas. Inseguro a princípio, o comandante de batalhão havia sido colocado nesse posto de improviso pelo general de divisão Panfílov, com a tarefa nada fácil de defender uma faixa de oito quilômetros de território contra a qual, em suas palavras, seria lançada “uma divisão inteira” de nazistas.
MORRER PELA PÁTRIA?
Clausewitz, proeminente teórico militar prussiano, afirmou que a guerra é o domínio do sofrimento, do esforço e do perigo, de tal modo que sobre aqueles que nela participam atua uma força que desgasta a todos, torna tudo mais difícil e mais penoso: a fricção geral. No caso da guerra promovida pelos nazistas, este elemento era ainda mais presente como parte da estratégia, e eles próprios faziam questão de dizer que quem venceria os soviéticos era o “General Medo”.
Vejamos um caso narrado na obra em que a ação psicológica da guerra afetou os revolucionários. O comandante do batalhão, Momych-Uli, assistia a uma agitação levada a cabo pelo Comissário Político de uma companhia subordinada a seu batalhão1, na qual frisava constantemente o dever de um combatente de “morrer pela pátria”. O comandante, escutando atentamente e fatigado da agitação pela morte, refletia sobre uma frase escutada outrora: “O soldado não vai à guerra para morrer, mas para viver”. Ele aprendera, advertido por Panfílov, certa vez, que é preciso que um comandante guie seus combatentes à vitória, à vida, e não à morte. A guerra não é apenas perda, é transformação também. No caso da assim chamada Grande Guerra Patriótica, homens e mulheres superaram a si mesmos para cumprir com o seu dever patriótico e revolucionário, levando a vida na ponta dos dedos.
O que Panfílov manejava com excelência e buscou ensinar, reiteradas vezes, a Momych-Uli, é que o senso de dever e o espírito de autopreservação constituem dois aspectos duma contradição, especialmente violenta em meio à guerra. Eles se enfrentam e se excluem mutuamente e ao mesmo tempo não existem um sem o outro, de forma que um bom soldado só o é porque sobrepõe o primeiro ao segundo, convertendo a autopreservação, de medo ou autocomplacência puros e simples, em autopreservação para cumprir o dever! Essa é a forma mais honrosa de autopreservação, viver para transformar o mundo (e, no caso de uma guerra, combater), porque guiada pelo senso de dever, enfrentando, também, a morte. É disso que fala Momych-Uli, quando diz: “Não é preciso morrer pela pátria. É preciso matar pela pátria!”. Ele o disse porque era uma questão chave: inverter, na mentalidade dos soldados, qual o norte durante as batalhas, ou seja, que era preciso a audácia e a coragem para matar, e não o conformismo e “coragem” para ser derrotado e morto. É claro, todavia, que para adquirir a qualidade de verter a vida em combate era preciso forjar-se através do batismo no fogo, sem apegos covardes.
Observemos a decisão de Momych-Uli frente a um capitulador, o sargento Barambáiev, um habilidoso atirador que preferiu atirar na própria mão do que combater pela sua pátria. O comandante tomou uma decisão difícil, mas necessária, de ensinar uma lição aos que ficaram. Ordenou à unidade que o sargento comandava que o fuzilasse, tomado por uma onda de sentimentos, sobretudo de tristeza e dever, por ver um dos seus renunciar à luta enquanto outros davam provas de valentia. Nosso protagonista diz: “Haverá mortos nos combates, mas a pátria se lembrará daqueles que morreram de armas nas mãos”, e prossegue, após a execução do traidor: “Tinha o dever de gravar em letras de sangue, nas suas almas, que o traidor não poderia receber mercê!”. O que para alguns pode soar severo e desumano, contradição vivida por Momych-Uli antes de ordenar a execução, serve como exemplo da firmeza de um comandante frente aos seus soldados, sobretudo de tomar decisões difíceis e nada agradáveis.
Todavia, o elemento medo não afetava somente os soldados ou oficiais rasos. Embora firme como aço, o próprio comandante Momych-Uli relata uma reação indesejada sua, de medo, de aflição. Após mandar seu chefe de Estado-maior a uma excursão de reconhecimento nas linhas de frente, ainda antes de começadas as batalhas com os alemães, recebe dele um papel dobrado, no qual vinham escritas as palavras: Os alemães estão à nossa frente. “Estremeci, a contragosto. Teria chegado a hora H?”, conta. Noutro momento, ao levantar de sua trincheira para sair em revista à tropa, foi perturbado novamente: “Senti medo. Simplesmente medo”.
O tenente Brudny é outro exemplo na obra. Ele, que bateu em retirada sem receber ordens do comando durante uma batalha, por covardia, também relata a ação pelo medo: “Eu mesmo não compreendo nada disso que aconteceu, comandante… Foi como uma bordoada no crânio… como se outro me substituísse naquele momento, apavorado e incapaz de raciocinar”.
De fato, em todo o livro Momych-Uli relata o medo que pairava sobre os soldados, sobretudo antes do início das batalhas. Claro! Tratava-se de um batalhão formado por civis recém-ingressados, da reserva, convertidos rapidamente em militares. A guerra, terreno no qual os soldados são assediados a todo instante pela morte, só se enfrenta com a têmpera militar, advinda da instrução militar e, sobretudo, da prática militar, problema bem conhecido por Momych-Uli.
A guerra é confronto militar, mas sobretudo ideológico, é o que evidencia a história. O medo e as amarguras da guerra afetam a todos, e não poderia ser diferente, impondo-lhes enormes desafios os quais são obrigados a superarem, sobrepassando limites seus antes desconhecidos.
A INSTRUÇÃO E O CARIZ DA TROPA
Uma das grandes preocupações de Momych-Uli era transformar a massa de civis que compunha seu batalhão em soldados rígidos, partes da legião de aço do Marechalíssimo Stalin. Era preciso ensiná-los a obedecer, em toda circunstância, prontamente às ordens, e não só obedecê-las, mas com a energia e o vigor, assim como a trabalhar bem com a severidade e superar a frouxidão, condições subjetivas sem as quais não se é possível atravessar as dificuldades e os sacrifícios. A nível do batalhão, ele fizera isso praticamente só, já que sua unidade não dispunha de um Comissário Político.
Vejamos a importância desse adestramento. Numa conversa com o general Panfílov, Momych-Uli ficara sabendo que um dos batalhões vizinhos passava apuros. Seus soldados não aguentavam as marchas e aquele ambiente carregado de fricção geral, mesmo antes de iniciarem-se os combates, pesava-lhes os ombros como toneladas. Panfílov culpara seu chefe: “Foi preciso dispensar seu comandante… Ele tinha relaxado os soldados, por ter pena deles… Um imbecil! Pois é justamente quando temos pena deles que devemos ser mais impiedosos!”.
Evidentemente, na instrução militar soviética não se admitia torturas, como ocorrem nos exércitos burgueses, de que nada servem, aliás. Mas o livro nos faz lembrar que uma instrução militar é militar, visa a preparar a massa para suportar as terríveis privações e sofrimentos da guerra, portanto, foi preciso ministrar grandes doses de dificuldades, tensão permanente e sacrifícios sobre os soldados juntamente com um vívido trabalho político. Afinal, dissera Panfílov, “não se comanda aos berros”.
DISCIPLINA DURA EM TORNO DOS CHEFES
Mas é claro que se precisou comandar, e com mãos grandes, de aço temperado. “Na batalha, o soldado sofre o assalto de duas forças vivas: o sentimento de dever e o instinto de preservação. Depois mistura-se a isso uma terceira força, a disciplina, que assegura, no fim das contas, o triunfo da primeira”, lembrara dessa frase o nosso comandante de batalhão.
Tendo em conta isso, Momych-Uli logo fizera seu batalhão entender que para exercer o domínio sobre os efeitos do medo, para vencer o desespero, é chave e exige-se, além do sentimento de dever – que é a consciência política e decisão ideológica –, a disciplina. Ele dissera, em discussões com seus soldados: “Aprenda: o mais duro, o mais penoso no Exército é obedecer! Muitas vezes você achará injusto o seu comandante, terá vontade de responder-lhe e ele lhe dirá: silêncio! Nossa disciplina é dura, mas um exército só pode existir por tal preço!”. A quem discorda de Mumych-Uli, basta procurar sobre o já citado batalhão vizinho ao de Momych-Uli, cujo chefe tinha pena de seus soldados. Quem ler o livro saberá qual fim tiveram aqueles soldados entregues a um comando pusilânime.
Na batalha contra a besta nazista, a falta de um cabeça, de um chefe, mesmo nas unidades de base, fez o batalhão de Momych-Uli entrar em apuros, assim como todo o Exército Vermelho. Quando o chefe estremece, estremece toda a unidade.
Mesmo para Momych-Uli, a simples presença do seu chefe, Panfílov, era algo de esplêndida. Ele relata o sentimento extraordinário que o assaltava ao trocar simples palavras com o general, ou ao saber que ele ali estava. A infusão de coragem, de clareza, de convicção na vitória após longas ou curtas conversas. Daí a força e importância de um reconhecido chefe.
Temperado na mais elevada disciplina e senso de dever, diferentemente do exército reacionário e seus comandos, Momych-Uli nos ensina que todo heroísmo coletivo e individual, de soldados e do Exército Vermelho, em geral se deveu aos chefes exemplares e que encarnaram com vigor o que se demanda na guerra. Diz ele: “Não é absolutamente coisa fácil lançar os soldados a uma carga. Eles nunca obedecerão a uma tal ordem, se não houver um chefe que se levante por primeiro e se jogue para frente”. E tais palavras são verdadeiramente corretas! O comandante é o exemplo em que os soldados devem se mirar, aquele que sacrifica primeiro seus interesses pessoais, se despe de toda sorte de individualismo e leva aos seus comandados o ânimo e otimismo revolucionários, sabendo conduzi-los como hábil maestro, sem o que qualquer batalha seria levada à derrota.
A leitura dessa importante obra é um divisor de águas para todos os ativistas populares. Em especial para os mais avançados. Lenin disse, não à toa, que o Partido Bolchevique devia se espelhar na forma orgânica e na disciplina dos Exércitos profissionais e, em diferentes graus e níveis de exigência, pode-se dizer o mesmo para toda organização popular em tempos como este. Lenin também foi formulador, em 1918, das consignas: Realizar tudo à maneira militar! e Disciplina militar nos assuntos militares e em todos os demais! Enquanto durar imperialismo, em um ambiente assim estamos submersos. Ademais de seu valor literário, esta é a base da importância atemporal dessa obra. O final de sua história, que compõe a história de luta do proletariado internacional, nos dá valiosas lições e motivos para se comemorar.
Nota:
- As unidades militares, habitualmente, são, do menor ao maior: equipe; esquadra; grupo de combate ou seção; pelotão; companhia, bateria ou esquadrão; batalhão ou grupo; regimento, brigada, divisão, corpo-de-exército, exército, grupo de exércitos e teatro de operações. Cada unidade é formada por uma determinada quantidade de unidades inferiores.