Texto retirado do Jornal A Nova Democracia, publicado em 15/09/2019, escrito por: Maxuel Chaves.
Foto: Irlan Simões/Caros Amigos
O Brasil, até hoje, não pôde ser o país da soberania, nem do desenvolvimento; restou-lhe, por um tempo, ser o país do futebol. Mas mesmo esse último suspiro do orgulho nacional foi destruído. O aspecto central de toda nação é o seu povo, é ele quem confere paixão a qualquer elemento cultural de um país. O futebol brasileiro, desde que se popularizou imensamente, encantou o mundo com seu caráter popular de dimensões religiosas: estádios lotados de operários, ambulantes e até pedintes, muitos fantasiados com as cores do time de coração. Em campo, filhos de operários, intelectuais, e toda sorte de craques inigualáveis que expressavam o espírito e o rosto do povo brasileiro: gênios de origens humildes e mestiças. Um futebol que dava gosto de assistir, com jogadas bem armadas, velocidade, dribles e passes precisos. O povo brasileiro aparentava se conectar ao futebol de maneira tão espontânea que a cada passo dado para torná-lo um esporte verdadeiramente nacional e popular, os capatazes endinheirados das direções esportivas, os especuladores e políticos faziam de tudo para torná-lo o que é hoje: um esporte de baixíssima qualidade, com todos os seus craques jogando em clubes europeus e com uma crescente rejeição entre o povo.
Culpe, meu amigo, o governo e a máfia do futebol brasileiro, ambos mais vendidos que bijuteria, que sempre entregaram o futebol nacional de bandeja para os abutres que são os grandes investidores estrangeiros. Os políticos do Estado brasileiro, ao longo das décadas, têm mantido relações promíscuas com os magnatas do esporte, para receber financiamento de campanha e fazer demagogia populista com as massas. Nos anos 60, começava a se destacar no cenário do futebol o cartola João Havelange, filho de latifundiário e comerciante de armas belga. Havelange, à época, dirigia a CBD, antiga Confederação Brasileira de Desportos, que gerenciava todos os esportes nacionais. Como bom lambe botas que era, apoiou politicamente o regime militar genocida, momento em que a seleção brasileira chegou até mesmo a propagandear slogans dos generais. Bajulado por vários setores da imprensa como globalizador e homem de pulso firme, a verdade é que Havelange acelerou o processo de colonização do futebol brasileiro. Após a seleção conquistar sua terceira Copa do Mundo, Havelange foi indicado à presidência da FIFA, conseguindo o cargo em 1974 através de compra de votos e diversas articulações obscuras. Foi com Havelange que a FIFA se consagrou como o feudo-mor do futebol, grande lavanderia de dinheiro financiada por multinacionais como a Adidas e a Coca-Cola e com poderes de mandar e desmandar nos campeonatos do mundo inteiro.
As reformas que João Havelange fez na FIFA foram um aceno para que o capital monopolista transformasse a bola em negócio dos grandes. Melhor para os europeus que, além de terem bastante presente em sua cultura esportiva o futebol, têm bastante presente em sua economia o capital monopolista extraído do resto do mundo. Pior para os clubes latino-americanos que, apesar de terem contribuído ao futebol com Pelés, Garrinchas e Maradonas, jamais teriam condições econômicas de manter o alto nível do seu futebol competindo com o mercado europeu. E é o que ocorre. Não é coincidência que a ascensão da FIFA ocorreu quase simultaneamente à ascensão dos campeonatos europeus e consequente decadência do futebol latino-americano.
Com todo o mundo do patrocínio e das maiores transmissoras de televisão investindo na FIFA e nas ligas europeias, logo os melhores jogadores brasileiros passaram a cobiçar a Europa e a serem também cobiçados por ela. Para aprofundar o vira-latismo, em 1998 foi aprovada a lei Pelé, idealizada pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), filial da FIFA no Brasil. A Lei Pelé tirou dos clubes brasileiros o direito sobre a transferência de seus jogadores e deu amplos poderes aos empresários. Os jogadores deixaram de pertencer aos clubes para pertencer a empresários que, na primeira oportunidade de lucrar, fazem os jogadores rescindirem seus contratos com os clubes nacionais para transferi-los ao futebol europeu. Os europeus adquirem esses jogadores a preço de banana dos clubes nacionais, já que o futebol brasileiro não tem relevância para valoriza-los, e depois os revendem a preços exorbitantes. O Santos, por exemplo, lucrou 17,5 milhões de euros vendendo Neymar ao Barcelona; anos depois, o Barcelona o revendeu ao PSG por 222 milhões de euros.
Outro exemplo que expressa a profunda marca da semicolonialidade no nosso futebol foi a emblemática saída de Ronaldinho Gaúcho do Grêmio em 2001, quando o clube movia vãos esforços para mantê-lo, chegando até mesmo a por uma faixa no Estádio Olímpico Monumental com os dizeres “Não vendemos craques. Por favor, não insista.” Em frente às câmeras, Ronaldinho mantinha as aparências e falava sobre sua vontade de ficar no Brasil; nos bastidores, já havia assinado contrato parar partir para o França. Nos anos 2000, o futebol brasileiro assistiu a um verdadeiro apagão de craques. Exímios zagueiros, volantes, centroavantes e finalizadores trocavam Flamengo, Corinthians, Cruzeiro, Internacional e outros por Barcelona, Real Madrid, Manchester United e toda variedade de camisas espanholas, inglesas, francesas e italianas. Para se ter uma ideia, na seleção tricampeã mundial de 1970, todos os vinte convocados jogavam em clubes brasileiros; já entre os convocados para a última Copa do Mundo de 2018, 19 jogadores estavam em grandes clubes europeus e apenas três ainda estavam em território nacional.
A elite do futebol brasileiro tornou-se vitrine para o mercado europeu. Quando um jogador se destaca, começam as especulações de agentes europeus. Se for decisivo em jogos importantes, já carimbou seu passaporte para a Europa. Se consegue se adaptar ao futebol europeu, só volta ao Brasil no fim de carreira, pra endividar os clubes nacionais com salários exorbitantes e se aposentar. Os jogadores de futebol, ao se tornarem mercadoria, seguiram a mesma lógica da divisão internacional do trabalho: as semicolônias vendem seus melhores produtos às nações desenvolvidas, desabastecem o mercado interno e depois compram de volta os produtos super valorizados por preços altos e com pouca vida útil.
O resultado nós conhecemos. Se nos anos 60 não havia um clássico na Europa que superasse a técnica e a magia de um jogo entre o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha, hoje um jogo do Brasileirão tem menos técnica que a segunda divisão do campeonato inglês, com muitos passes errados e pouquíssima movimentação e velocidade. Muitos brasileiros já não vestem as cores dos times nacionais, preferem blusas do Barcelona ou do Real Madrid. Clubes de tradição popular estão prestes a sumir do mapa, como é o caso da Portuguesa com uma dívida de 354 milhões de reais. Outros lutam para permanecer na elite do futebol, como é o caso de Vasco e Botafogo, hoje patrocinados por empresas de médio porte. Com o poder de compra da população caindo, os ingressos aumentando e a pouca atratividade do futebol, os estádios vão progressivamente esvaziando. Nos jogos importantes é cada vez mais difícil encontrar torcedores de origens periféricas, principalmente após as reformas Padrão FIFA feitas nos governos PT, que extinguiram os setores populares das arquibancadas.
Não cabe, entretanto, lamentar nostalgicamente o desgaste do futebol e nem de qualquer outro símbolo nacional. O Brasil não pode ser a pátria de chuteiras enquanto seu povo andar descalço. A decadência do futebol brasileiro é apenas uma particularidade dentro da decadência geral desta semicolônia e todas suas instituições. Mostra que as classes dominantes são tão fajutas que não foram capazes nem de fazer a manutenção daquilo que muitas vezes é a válvula de escape para todas as frustrações que o povo sente. O processo de mercantilização do futebol brasileiro, que se adequa cada vez mais aos Padrões FIFA, é profundamente odiado por amplos setores dos torcedores de todo o Brasil, que apelidaram este futebol que aí está de “futebol moderno”, em contraste ao futebol verdadeiramente popular e nacional.
Já está na boca do povo que o futebol oficial é vendido e dirigido por corruptos. Mas queiram os magnatas ou não, o povo sempre cobra caro daqueles que banalizam seus símbolos, o que tem sido provado com o aumento de torcidas de caráter democrático e antifascista pelo país, que entendem que o futebol não se encerra em si mesmo e que é impossível defender a valorização do esporte nacional dentro dessa lógica vendida e colonial, responsável por prostituir toda forma de expressão da cultura popular. Rejeitar esse velho futebol em nome de um novo futebol, de fato nacional, democrático e de qualidade; rejeitar essa velha lógica semicolonial em nome de uma nova ordem, verdadeiramente nacional, popular e democrática, é a tarefa que cabe a todos nós.
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