Publicaremos a seguir o editorial semanal do Jornal A Nova Democracia. Publicado em: 10/08/21
A crise política brasileira – que, com a anulação da condenação de Luiz Inácio e transferência de seu processo às calendas da instância federal de Brasília, retomou a todo vapor a polarização Bolsonaro-Lula como luta no seio dos grupos de poder das classes dominantes – já está delineando um desfecho em torno das eleições de 2022. Passe o que passe, com ou sem eleição, nada deste mundo político oficial putrefato terá legitimidade. Essa polarização reacionária terá fim e será inevitavelmente substituída pela agudização da luta de classes feroz das massas pauperizadas ao extremo, do sangue camponês derramado a jorro por um pedaço de terra num país de 850 milhões de hectares e o clamor por uma democracia nova. Passar-se-á a contenda social ao estágio mais claro e definido entre revolução e contrarrevolução.
Encurralado, Bolsonaro busca sair das cordas “fugindo para frente”, isto é, atacando. Embora enfraquecido, a cadeira presidencial dá-lhe algumas vantagens no embate político, as quais, a seu modo boçal, ele maneja com alguma racionalidade: de fato, a pauta e a temperatura das discussões são controladas por ele, como se viu nitidamente no caso do voto impresso. Há, além disso, o peso gigantesco do aparato burocrático estatal, a se perpetuar quase que pela inércia, que fez com que todos os presidentes eleitos na nova república – a exceção de Collor, que renunciou – tenham sido reeleitos. Não é de todo desnecessário lembrar que, em meados de 2005, no auge do escândalo do mensalão, parecia improvável uma segunda vitória eleitoral de Lula. Claro que as situações são distintas, mas com o exemplo queremos destacar que ainda não está claro qual a capacidade de resistência de Bolsonaro na presidência. No fim das contas, a corda sempre se pode esticar mais um pouco.
No caso do voto impresso, o capitão do mato parece ganhar na derrota: lança ameaças e intimidação a ponto de fazer desfilar tanques na Esplanada do Planalto e, embora a proposta seja sepultada no Congresso, a mera discussão já turva o resultado das urnas no próximo ano, e serve ademais para manter a sua base coesa. Enquanto isso, aprofunda sua pregação golpista nas polícias militares e bases das Forças Armadas, à espera de uma melhor oportunidade para agir. Ganhando as eleições, no segundo mandato trará mais tempo e, quem sabe, ocasiões mais propícias, para consumar a sonhada quartelada. Perdidas as mesmas, soará o alarme para a ampla contestação do resultado, com desdobramentos de todo imprevisíveis.
A saída do impeachment torna-se mais improvável à medida que o tempo passa. Oras, mesmo do ponto de vista do pequeno-burguês liberal, não faria sentido essa alternativa a poucos meses das eleições, quando o “pacto social” farsesco tem a chance de ser refeito nas urnas. De outro lado, serve para arregimentar as fileiras do oportunismo, após anos de letargia e desmobilização, que encena nas passeatas cívicas uma disposição de luta e capacidade de mobilização que já não possui de fato. Não por acaso, a entrada em cena dos partidos operário-burgueses nas manifestações contra o governo, e a sua descarada tentativa de fazê-las mero palanque eleitoreiro, coincidiu com o seu esvaziamento. O fato de as últimas esperanças destes setores – em que jogam sua sobrevivência – dependerem do retorno de um velho caudilho como Luiz Inácio, criatura política dos mesmos militares que fizeram a “redemocratização”, só confirma o ocaso de seu ciclo histórico. Uma eventual vitória sua, caso seja aceita pelos militares, inauguraria um governo de crises sem fim, preso a tantos acordos que será quase incapaz de dar um passo; a derrota, imporá a divisão profunda nas suas fileiras, e a disputa pelo espólio dos findos tempos de glória. Suas perspectivas, portanto, são sombrias.
Nos bastidores, o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA), cujo centro é o Exército reacionário, marca passo. Se é um engano supor que no cenário atual ele está predisposto a marchar com Bolsonaro (não por qualquer apego à “democracia”, mas porque não precisam lançar-se a uma quartelada, para tomar o que já têm: o poder, cuja expressão é a “tutela militar” que nunca deixaram de exercer nos últimos trinta anos, e que se escancarou e reforçou tremendamente desde 2017), seria outro engano, pior ainda, contar certo de que não está. Pois, em meio à profunda crise geral do país em todos os planos da vida nacional que o equivale à bomba armada, o que faz sensivelmente volúvel a situação do ACFA, como comprova nossa história republicana, com a consumação da anunciada aventura bolsonarista não há nada que assegure que os generais do Alto Comando não se veem obrigados a marcharem juntos, se a unidade das reacionárias Forças Armadas se apresenta ameaçada. Também, se com as inevitáveis explosões espontâneas de massas a estas somar a ação consciente do proletariado revolucionário, se ao ódio de classe mais ou menos cego se somar uma estratégia clara de luta pelo Poder, as Forças Armadas responderão com a máxima violência e centralização do poder, com medidas que lhes assegurem mãos livres de qualquer controle, e não recuarão ante nenhuma ilegalidade para tentar impedir que a revolução prospere.
Fora disto, mesmo no caso de explosão de revolta espontânea sem uma direção minimamente consequente, as ditas operações de Garantia da Lei e da Ordem já dão aos gorilas, dentro dos atuais limites constitucionais, amplas margens para reprimir com selvageria o “inimigo interno”. O que diz muito sobre a “Constituição Cidadã” e a “Nova República”, meras evoluções quanto às formas deste ferrolho contrarrevolucionário que é o Estado burguês-latifundiário, serviçal do imperialismo, principalmente norte-americano, que governa o País.
Seja como for, sua ação genocida se chocará com a resistência revolucionária crescente, mais consciente do que nunca e cada vez mais poderosa. Se sairmos deste labirinto cotidiano e olharmos os longos períodos históricos, veremos que os ventos frescos da mudança prevalecem sempre. A revolução é a tendência política principal da história, somente a Revolução tem futuro no Brasil.