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Editorial semanal – Política da fome

Publicaremos a seguir o editorial semanal do jornal A Nova Democracia de 26/10/2021

População famélica cerca caminhão de lixo com sacolas para recolher restos de comida de um supermercado em Pernambuco. Foto: Reprodução

A proposta de Bolsonaro e dos generais do Planalto, que pretende elevar o valor do chamado “Auxílio Brasil” para R$ 400 até o final de 2022, serviu a demonstrar o que sempre temos apontado: na disputa entre os “humanistas de ocasião” – cujos porta-vozes são os editorialistas dos monopólios de imprensa, secundados pelos oportunistas – e a extrema-direita escancaradamente golpista, não há prisca sequer de genuíno interesse popular envolvido. Trata-se de uma disputa no campo da reação, sobre qual ser a forma mais eficaz de manter as massas populares alijadas do processo político.

É evidente que a manobra de Bolsonaro, que manda às favas o infame teto de gastos aprovado sob Michel Temer, tem evidente cunho eleitoreiro. De todo modo, qual é a novidade, em se tratando de uma democracia oligárquica como esta que temos, em que, no fim das contas, está mais do que consagrado o vale-tudo para abocanhar um naco do poder estatal, sem o qual os seculares interesses paroquiais dos “chefes políticos” não pode prosperar? Desde sempre, tais “programas sociais” têm sido isso: uma ínfima migalha do orçamento lançada aos pobres, para mantê-los sob controle policial e eleitoral, quando em realidade o grande montante de dinheiro, gerados pelas próprias massas laboriosas, são destinados aos magnatas que controlam o aparelho estatal. Em suma, são programas para que as massas não lutem e para que votem – com o estômago. Lembremos, por exemplo, da reeleição de Lula e, sobretudo, das duas eleições de Dilma, quando sobre os beneficiários era lançada a chantagem de que, se não votassem nos seus “padrinhos”, teriam o programa cortado. São estes os termos desta máquina eleitoral azeitada no Brasil, desde sempre, pela miséria e encabrestamento de parcelas gigantescas da sua população.

A prova de que tais programas não atingem no mínimo as estruturas econômico-sociais que geram as iniquidades é, em primeiro lugar, a sua perpetuação no tempo e, em segundo lugar, o fato de que têm sido aplicados continuamente por FHC, Lula, Dilma, Michel Temer e Bolsonaro, ou seja, por representantes de quase todo o espectro político oficial. Na verdade, a única diferença substancial reside no fato de que o capitão de extrema-direita tem pagado mais do que qualquer outro dos seus adversários: só o montante desembolsado pela União a título de “auxílio emergencial” em 2020 – aprovado pelo Congresso, é verdade – equivaleu a dez anos de Bolsa Família. O grande “embate” proposto, até aqui, por Luiz Inácio, é opor aos R$ 400 do governo (o que equivale a 36% do salário mínimo de fome de R$ 1.100), a exigência de R$ 600 (o que equivaleria a 54% apenas do mesmo mínimo de fome).

Sim, é tal a situação das massas populares no Brasil de 2021 que as chances de um candidato se reeleger aumentam substancialmente pelo fato de ele prometer pagar aos trabalhadores em situação de miséria um terço do salário mínimo vigente.

Mas mesmo essas migalhas soam inaceitáveis aos engomados “analistas de economia”, lacaios assalariados do capital financeiro, que os contrata não para chegarem a conclusões científicas, mas para embrulharem em palavreado confuso os paradigmas do capitalismo selvagem que apregoam como quem defende uma religião. A chamada “responsabilidade fiscal” deve estar acima, por exemplo, da necessidade que milhões de brasileiros têm para alimentar-se; assim como a “política flutuante de preços” deve determinar que o combustível acompanhe a cotação do dólar, ainda que ao custo de empurrar parcelas de nossa população a usar lenha para cozinhar ou milhares de caminhoneiros para a horripilante condição de pagar para trabalhar. Aqueles mesmos chicago-boys – que apoiaram, aliás, em massa, a subida de Bolsonaro – repetiram por anos a fio que as “reformas” sindical, trabalhista e previdenciária seriam capazes de impulsionar como nunca dantes a carcomida economia de capitalismo burocrático, e agora o que se vê? O país saiu deste choque “neoliberal” arremetido num violento salto para trás. É curioso registrar que um dos papas econômicos nacionais, considerado mesmo “progressista” por setores da esquerda oportunista, Delfim Neto, Ministro da Fazenda mais longevo sob o regime militar e um dos signatários do AI-5, declarou em recente entrevista que assinaria o infame arbítrio de novo. Nada mais sintomático de como esta gente pensa: o papel de ditos economistas “ortodoxos” é apenas fazer as contas, pouco importando se os saldos que reclamem só possam ser obtidos pelos métodos “heterodoxos” praticados nos porões.

De todo modo, as causas da fome e da debacle econômica persistem; são estruturais e insanáveis nos marcos da atual ordem econômico-política de dominação. O latifúndio monocultor-exportador, os monopólios burocráticos brasileiros e os imperialistas estrangeiros instalados no País a reclamar benesses e isenções fiscais de toda ordem, a rapacidade do imperialismo, que drena não só boa parte dos capitais aqui acumulados, como as riquezas naturais e minerais de nosso solo e subsolo – num modelo quase que tipicamente colonial -, são estes os fatores das nossas misérias tantas, econômicas, políticas e ideológicas. Dar cabo deles será a tarefa das novas gerações. O começo do seu fim é a firme tomada de consciência pelos oprimidos de que é preciso romper, de modo radical e consequente, com as soluções negociadas e com o tráfico periódico de ilusões.

MEPR

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