Mao Tsetung
No nosso Partido, alguns camaradas ainda não compreenderam de maneira correta a situação atual e não entendem, exatamente, a linha de ação que daí resulta. Acreditam que há de verificar-se inevitavelmente um auge revolucionário, mas não creem que tal auge possa ocorrer tão cedo. Essa a razão por que não aprovam o plano de conquista do Quiansi e aceitam, únicamente, a organização de acções volantes de guerrilhas na região fronteiriça das províncias de Fuquien, Cuantum e Quiansi. Além disso, não estão realmente convencidos da necessidade de organizar o poder vermelho nas regiões de guerrilhas, nem, por consequência, inteiramente convencidos da necessidade de acelerar a verificação do auge revolucionário no conjunto do país, consolidando e estendendo o poder vermelho. Eles parecem pensar que, num momento em que o auge revolucionário está ainda longe, seria vão consagrar-se ao trabalho duro do estabelecimento do poder. Eles contam, para começar, estender a nossa influência política pela via relativamente fácil das ações volantes de guerrilhas. E, dizem, quando o trabalho de conquista das massas à escala do país estiver todo acabado ou, ao menos, muito avançado, passar-se-á ao levantamento armado em toda a China, lançar-se-ão na balança as forças do Exército Vermelho, chegando-se depois à grande revolução que abarcará a totalidade do país. Essa teoria da necessidade da conquista prévia das massas em todo o país, isto é, até aos mais pequenos recantos, para só depois se estabelecer o novo poder, não corresponde às condições reais da revolução chinesa. A fonte de tal teoria deve encontrar-se, essencialmente, na incompreensão do facto de a China ser uma semicolónia que inúmeros Estados imperialistas se disputam. E, no entanto, basta compreender tal facto para que tudo se esclareça:
- então ver-se-á claramente porque, dentre todos os países do mundo, só a China registra este fenômeno, tão estranho, de uma guerra intestina prolongada no seio das classes dominantes; porque tal guerra é cada vez mais encarniçada e não cessa de estender-se; e porque as classes dominantes nunca foram capazes de estabelecer um poder único.
- ver-se-á, claramente, toda a importância da questão camponesa e compreender-se-á por que razão os levantamentos no campo se revestem, duma amplidão tal que se estendem hoje a todo o país.
- compreender-se-á quão justa é a palavra de ordem do poder democrático operário e camponês.
- compreender-se-á esse outro fenômeno estranho, ligado, aliás, à guerra intestina prolongada no seio das classes dominantes — e que constitui por si mesmo um fenômeno único que não existe em parte alguma, a não ser na China — a saber: a existência e o desenvolvimento do Exército Vermelho e dos destacamentos de guerrilhas e, paralelamente, a existência e o desenvolvimento de pequenas regiões vermelhas que crescem no meio do cerco do poder branco (em parte nenhuma, a não ser na China, se observa fenômeno tão estranho).
- igualmente se compreenderá, de maneira evidente, que a criação e o crescimento do Exército Vermelho, dos destacamentos de guerrilhas e das regiões vermelhas representam, na China semicolonial, a forma superior da luta dos camponeses sob a direção do proletariado, o resultado inelutável do desenvolvimento da luta camponesa num país semicolonial e, sem dúvida alguma, o fator mais importante capaz de acelerar o avanço revolucionário em todo o país.
- por último, compreender-se-á com evidência que a política exclusiva de ações volantes de guerrilhas não poderá resolver a tarefa da aceleração da progressão revolucionária à escala do país e que, com toda a segurança, a política adotada por Tchu Te e Mao Tsetung, bem como a de Fuam Tchi-min(2), é justa. Essa política prescreve a formação de bases de apoio, a criação metódica dos órgãos do poder, o aprofundar da revolução agrária, o desenvolvimento das forças armadas do povo pela criação de destacamentos da Guarda Vermelha ao nível da circunscrição, do subdistrito, do distrito, e ainda de forças locais do Exército Vermelho, a fim de se chegar à criação dum exército vermelho regular, a extensão do poder vermelho por vagas sucessivas, etc. Só assim será possível inculcar nas massas revolucionárias de todo o país a mesma fé que a União Soviética inspira ao mundo. Só assim se poderão colocar as classes reacionárias dominantes em face de enormes dificuldades, abalar-lhes o chão sob os pés e acelerar o seu desmoronamento interno. Só assim se poderá criar, enfim, e de maneira efetiva, um exército vermelho que se transforme no instrumento principal da grande revolução que aí vem. Em suma, unicamente assim se poderá acelerar a verificação do auge revolucionário.
Os camaradas que sofrem de impetuosidade revolucionária cometem o erro de subestimar as forças subjetivas da revolução(3) e subestimar as da contrarrevolução. Na maior parte dos casos, tal apreciação resulta duma concepção subjetivista que os levará, sem dúvida alguma, à via putchista. Em contrapartida, seria igualmente falso subestimar as forças subjetivas da revolução e exagerar as da contrarrevolução, já que tal apreciação também levaria, inevitavelmente, a maus resultados, embora de ordem diversa. Assim, torna-se necessário, ao apreciar-se a situação política da China, ter em conta os elementos fundamentais seguintes:
- Se, por um lado, as forças subjetivas da revolução chinesa, no momento presente, são fracas, também se constata, em contrapartida, que é fraca toda a organização das classes reacionárias dominantes (o poder, as forças armadas, os partidos, etc.) fundada sobre a estrutura sócioeconómica atrasada e frágil da China. Assim se explica que a revolução não possa estalar imediatamente nos países da Europa Ocidental, se bem que aí, atualmente, as forças subjetivas da revolução possam ser um pouco maiores do que as forças subjetivas da revolução chinesa. É que, aí, as forças das classes reacionárias dominantes ultrapassam um bom número de vezes as das classes reacionárias dominantes na China. Embora as forças subjetivas, da revolução chinesa sejam atualmente fracas, como as da contrarrevolução também o são correspondentemente, o auge revolucionário verificar-se-á certamente mais cedo na China do que na Europa Ocidental.
- Depois da derrota da revolução em 1927, é um facto que as forças subjetivas da revolução sofreram um enfraquecimento manifesto. A julgar unicamente por certas manifestações exteriores, a importância muito reduzida das forças restantes pode levar alguns camaradas — os que julgam unicamente pelas aparências – a um estado de espírito pessimista. A questão tem um aspecto completamente diferente, porém, se se vai ao fundo dos problemas. O velho provérbio chinês “Uma faísca pode incendiar toda a pradaria” é perfeitamente aplicável aqui e significa que, muito embora as forças da revolução sejam no momento reduzidas, elas podem desenvolver-se muito rapidamente. Nas condições da China, aliás, tal desenvolvimento é não somente possível mas até inevitável. Isso está inteiramente confirmado pela experiência do Movimento de 30 de Maio de 1925 e a grande revolução que se lhe seguiu. Quando analisamos uma coisa, devemos atender à sua essência, considerando as aparências apenas como o guia que nos leva até à porta. Uma vez transposta essa porta, há que apreender a essência da coisa. Eis o único método de análise seguro e científico.
- Igualmente, ao apreciarem-se as forças da contrarrevolução, jamais se deverá olhar apenas para as aparências, mas sim analisá-las na sua essência. No início, quando criávamos a base revolucionária na fronteira do Hunan com o Quiansi, alguns camaradas, acreditando seriamente na apreciação incorreta feita pelo Comitê Provincial do Hunan nessa época, reduziam a nada o nosso inimigo de classe; ainda agora se lembram, com um certo sorriso, certas fórmulas, como “abalo a cem por cento” ou “o pânico mais completo”, que o Comitê do Partido do Hunan usava na altura (Maio-Junho de 1928) ao apreciar as forças de Lu Ti-pim(4), governador do Hunan. Em política, tais apreciações desembocam inevitavelmente no putchismo. Não obstante, nos quatro meses que vão de Novembro de 1928 a Fevereiro de 1929, quando o inimigo, que realizava a sua terceira “campanha conjunta de aniquilamento”(5), se aproximava das montanhas Tchincam (antes de rebentar a guerra(6) entre Tchiang Kai-chek e a camarilha do Cuansi), alguns dos nossos camaradas manifestaram a seguinte dúvida: “Por quanto tempo poderá manter-se ao alto a bandeira vermelha?” Ora, na China dessa época, a luta entre a Inglaterra, os Estados Unidos e o Japão já tinha tomado, na realidade, uma forma completamente aberta. Quanto à guerra intestina entre Tchiang Kai-chek, a camarilha do Cuansi e Fom Iu-siam, ela estava preparada. Na realidade, nós assistíamos ao começo do refluxo da contrarrevolução e ao começo dum novo progresso da revolução. Todavia, mesmo nessa altura, verificava-se um estado de espírito pessimista, não só no Exército Vermelho e nas organizações locais do Partido, mas também no próprio Comitê Central, que se encontrava mais ou menos perplexo por causa de aparências, e se mostrava pessimista no seu tom. A prova disso está na carta de Fevereiro do Comitê Central(7), onde se reflete uma apreciação pessimista dos acontecimentos.
- A situação objetiva atual pode facilmente confundir os camaradas que não consideram mais do que o aspecto exterior dos fenômenos e nunca vão à essência das coisas. E isso é particularmente verdade para os camaradas que trabalham no Exército Vermelho. Basta que um destacamento sofra um revés, seja cercado ou perseguido por um adversário poderoso, para que tais camaradas, sem se aperceberem disso, se ponham a generalizar o que não é mais do que uma situação temporária, particular e local, como se a situação no conjunto do país e no resto do mundo não nos prometesse coisa alguma de bom, e como se as perspectivas de vitória da revolução se encontrassem recuadas e desaparecessem numa bruma longínqua. Uma apreciação que apenas tem em conta o aspecto exterior dos fenômenos e lhes ignora a essência, explica-se pelo facto de os camaradas não submeterem o conjunto da situação a uma análise científica que vai até ao fundo das coisas. Se se quiser determinar se o auge revolucionário ocorrerá ou não brevemente na China, nada mais há do que um caminho: verificar cuidadosamente se as diversas contradições que podem provocar o auge revolucionário estão ou não efetivamente a desenvolver-se. Uma vez que, na arena internacional, as contradições se desenvolvem entre os diferentes Estados imperialistas, entre os Estados imperialistas e as respectivas colônias, entre os imperialistas e o proletariado dos seus próprios países, os imperialistas sentem, duma maneira cada vez mais aguda, a necessidade de lutar entre si pelo domínio da China. E na medida em que essa luta pelo domínio da China se torna mais aguda, veem-se crescer, simultaneamente, na própria China, as contradições entre os imperialistas e a China no seu conjunto, assim como as contradições entre os próprios imperialistas, o que provoca essas guerras intestinas entre os diferentes grupos das forças reacionárias dominantes na China, as quais se estão ampliando e agravando dia a dia, e suscita uma crescente agravação das contradições entre esses grupos. A agravação das contradições existentes entre os diferentes grupos das forças reaccionárias dominantes, que encontra a sua expressão nas guerras intestinas entre os caudilhos militares, determina uma agravação dos impostos. Por seu turno, esta conduz a uma nova e cada vez mais séria agravação das contradições existentes entre a massa dos contribuintes e os círculos reacionários dominantes. As contradições entre o imperialismo e a indústria nacional chinesa fazem com que esta última não possa obter concessões por parte do primeiro, o que agrava as contradições entre a burguesia e a classe operária da China, buscando os capitalistas chineses uma saída na exploração desapiedada dos operários chineses, ao que estes resistem. Da invasão da China pelas mercadorias dos imperialistas, das pilhagens efetuadas pelo capital comercial chinês, do aumento dos impostos pelo governo, etc, resulta uma agravação ainda maior das contradições existentes entre a classe dos senhores de terras e os camponeses, quer dizer, a exploração através da elevação da taxa das rendas e dos empréstimos usuários torna-se mais pesada e os camponeses passam a nutrir um maior ódio pela classe dos senhores de terras. A invasão do mercado pelas mercadorias estrangeiras, o esgotamento do poder de compra das massas operárias e camponesas e o aumento dos impostos por parte do governo, arruínam um número cada vez maior de negociantes, que fazem comércio de produtos chineses, e de pequenos produtores independentes. O aumento ilimitado dos efetivos do exército a que procede o governo reacionário, sem ter as suficientes provisões nem dinheiro para mantê-lo, e a repetição cada vez mais frequente das guerras intestinas possibilitada por tal aumento, obrigam os soldados a suportar permanentemente pesadas privações. O aumento dos impostos pelo Estado, a elevação das rendas e dos juros pelos senhores :de terras e, ao mesmo tempo, a carga cada vez mais pesada das misérias provocadas pela guerra, arrastam por todo o pais a fome e o banditismo, de tal maneira que os camponeses e a gente pobre das cidades se encontram numa situação sem saída. A falta de fundos necessários à manutenção das escolas ameaça muitos estudantes com a interrupção dos seus estudos; o caráter atrasado da produção rouba a muito jovem diplomado a esperança de encontrar trabalho. Uma vez compreendidas todas estas contradições, pode ver-se quão desesperadamente precária é a situação e quão caótico é o estado em que a China se encontra. Pode ver-se também quão inevitável é a verificação do auge revolucionário contra os imperialistas, caudilhos militares e senhores de terras, e em quão breve prazo tal auge vai produzir-se. A China está toda juncada de lenha seca que muito em breve se incendiará. “Uma faísca pode incendiar toda a pradaria”, eis o provérbio que caracteriza, de maneira exata, o caso do desenvolvimento da situação presente. Basta dar um golpe de vista pelas greves de operários, levantamentos de camponeses, motins de soldados e greves de estudantes, que se multiplicam em várias localidades, para compreender que, indubitavelmente, da “faísca” ao “incêndio” já não há uma grande distância.
As ideias fundamentais expostas acima estavam já contidas na carta de 5 de Abril último, enviada pelo Comitê da Frente ao Comité Central. Aí se dizia:
“Na sua carta (de 9 de Fevereiro do ano passado) o Comitê Central fez uma apreciação muito, pessimista da situação objetiva e do estado das nossas forças subjetivas. As três ‘expedições punitivas’ realizadas pelo Kuomintang contra as montanhas Tchincam, foram a expressão do apogeu da contrarrevolução. Ao mesmo tempo, porém, elas marcaram o limite para lá do qual se iniciou o refluxo progressivo da contrarrevolução e o avanço igualmente progressivo da revolução. Embora a capacidade de combate e de organização do nosso Partido tenha diminuído até ao ponto descrito pelo Comitê Central, dado o refluxo progressivo da contrarrevolução, o seu restabelecimento produzir-se-á num ritmo necessariamente rápido e a passividade dos quadros do Partido poderá ser rapidamente liquidada. De certeza, as massas seguir-nos-ão. A política de massacre(8) só serve para ‘fazer fugir o peixe para as águas mais profundas’. Quanto ao reformismo, de agora em diante já não pode atrair as massas. De certeza, as ilusões das massas a respeito do Kuomintang dissipar-se-ão rapidamente. Na situação que vai criar-se, nenhum partido poderá rivalizar com o Partido Comunista na luta pela conquista das massas; A linha política e a linha de organização traçadas pelo VI Congresso Nacional do Partido(9) são corretas: na etapa atual, a revolução é democrática e não socialista. Atualmente, a tarefa do Partido (aqui seria necessário acrescentar: ‘nas grandes cidades’) consiste na luta pela conquista das massas e não na organização imediata da insurreição. A revolução, porém, desenvolver-se-á muito rapidamente e, no que respeita à propaganda e preparação do levantamento armado, nós devemos adotar uma atitude ativa. No caos enorme que é a situação presente, não se podem dirigir as massas a não ser com a ajuda de palavras de ordem de combate, bem como adotando uma atitude ativa. O restabelecimento da capacidade combativa do Partido não é possível, a menos que se adote tal atitude ativa…. Uma direção proletária é a chave exclusiva da vitória da revolução. Criação da base proletária do Partido, criação de células nas empresas industriais dos centros urbanos, tais são, atualmente, as tarefas importantes do Partido, do ponto de vista da organização. Simultaneamente, porém, o desenvolvimento da luta no campo, a criação do poder vermelho em regiões de pequena extensão, – a formação do Exército Vermelho e o aumento das suas fileiras são, em particular, as condições principais que podem ajudar a luta nas cidades e acelerar o avanço revolucionário. Por isso, a renúncia à luta nas cidades é um erro. Igualmente consideraríamos um erro se qualquer dos membros do nosso Partido receasse a expansão das forças camponesas, com medo de que elas ultrapassassem as forças da classe operária e de que isso viesse a ter repercussões desfavoráveis no decurso da revolução. Com efeito, a revolução na China semi-colonial só fracassará se a luta dos camponeses estiver privada duma direção operária, sendo impossível que o facto de a luta camponesa se tornar mais poderosa que a luta dos operários possa ter repercussões desfavoráveis sobre o curso da revolução.”
No que respeita à tática a seguir pelo Exército Vermelho, dá-se na carta a resposta seguinte:
“Para preservar o Exército Vermelho e mobilizar as massas, o Comitê Central propõe que dividamos as nossas forças em pequeninas unidades, as dispersemos duma maneira ampla pelos campos e retiremos do exército os camaradas Tchu Te e Mao Tsetung, a fim de não oferecermos grandes alvos ao inimigo. Esse modo de encarar o problema não é realista. Desde o Inverno de 1927 que nós estabelecemos planos, e realizámo-los várias vezes na prática, de divisão das nossas forças em unidades — companhias ou batalhões — operando independentemente nos campos, a fim de sublevar as massas pela táctica de guerrilhas, e escapar ao inimigo, o que, não obstante, fracassou consecutivamente. As razões do fracasso são as seguintes:
1) Diferentemente dos destacamentos locais da Guarda Vermelha, as forças principais do Exército Vermelho não se compõem, na sua maioria, de habitantes da região;
2) Ao dispersarem-se as unidades, enfraquece-se a respectiva direção, e elas perdem a aptidão para encontrar uma saída nas situações difíceis, registrando-se facilmente derrotas;
3) O inimigo pode, sem dificuldades, esmagar unidade atrás de unidade;
4) Quanto mais desfavorável é a situação, mais necessário se torna que as tropas sejam concentradas e que os chefes estejam firmes nos seus postos de combate. Só assim se pode alcançar a coesão interna contra o inimigo. A dispersão das tropas para as cações de guerrilhas não é possível a não ser numa situação favorável. Só nas situações favoráveis é que os chefes não necessitam de estar todo o tempo ligados às suas tropas, como devem fazê-lo nas situações desfavoráveis.”
As considerações acima têm um defeito: todos os argumentos sobre a impossibilidade de dispersar as tropas têm um caráter negativo, o que está longe de ser justo. O argumento positivo sobre a vantagem da concentração das nossas forças consiste no facto de não ser possível liquidar forças relativamente importantes do inimigo, nem apoderar-se das cidades e vilas, senão concentrando as nossas tropas. Só destruindo-se as forças comparativamente mais importantes do inimigo e apoderando-se das cidades e vilas se poderão levantar as massas em grande escala e criar os órgãos do poder em territórios que agrupem vários distritos. Só assim se poderá atingir o pensamento e os sentimentos de todo o povo (o que se chama estender a influência política) e chegar a resultados práticos no que respeita à aceleração do avanço revolucionário. Por exemplo, ambos os regimes que criámos na fronteira Hunan-Quiansi, no ano antepassado, e no Fuquien ocidental(10), no ano passado, foram o resultado da nossa política de concentração de forças. Eis os princípios gerais. Mas não haverá casos em que seja indispensável dispersar as tropas? Sim, há casos. A carta do Comitê da Frente ao Comitê Central fala das táticas de guerrilhas do Exército Vermelho, incluindo a divisão das forças dentro duma curta distância:
“A tática que, ao longo dos últimos três anos, nós elaborámos no decorrer da luta, difere de qualquer outra adotada nos tempos antigos ou modernos, quer na China quer no estrangeiro. Pela aplicação da nossa tática, a luta das massas tem progredido dia após dia, de tal maneira que nem o adversário mais poderoso pode vencer-nos. A nossa tática é a da guerra de guerrilhas, e consiste, no essencial, nos princípios seguintes:
‘Dispersar as tropas para levantar as massas, concentrar as tropas para bater o inimigo.’
‘O inimigo avança, nós recuamos, o inimigo imobiliza-se, nós flagelamos, o inimigo esgota–se, nós golpeamos, o inimigo retira-se, nós perseguimos.’
‘Para o estabelecimento de bases de apoio relativamente sólidas, nós adotamos a tática da progressão por vagas; quando somos perseguidos por um adversário poderoso, descrevemos um círculo sem nos afastarmos da base.’
‘Levantar um máximo de massas no mínimo tempo possível e recorrendo aos métodos mais adequados.’
Tal tática é semelhante à do pescador, que lança a rede no momento mais oportuno e retira-a igualmente no momento mais oportuno. Lançar para a conquista das massas e retirar para fazer face ao inimigo. Eis a tática que aplicámos durante os três últimos anos.”
Aqui, “lançar a rede” significa dispersar as nossas tropas a pequena distância da base. Por exemplo, quando dominámos pela primeira vez a cidade de Ionsin, na fronteira Hunan-Quiansi, dispersámos o 29º e o 31º Regimentos dentro dos limites do distrito de Ionsin. De novo, quando dominámos pela terceira vez o Ionsin, o 28º Regimento foi enviado para a fronteira do distrito de Anfu, o 29º para Lien-hua e o 31º para a fronteira do distrito de Qui-an. A título de exemplo, pode igualmente citar-se a dispersão das tropas nos distritos de Quiansi meridional, em Abril-Maio de 1929, assim como nos distritos do Fuquien ocidental, em Julho. A dispersão das tropas a uma grande distância da base só é possível em duas condições: situação favorável e existência de órgãos dirigentes relativamente sólidos. Isto porque o objetivo da dispersão das tropas é assegurar-nos uma conquista mais eficaz das massas, aprofundar a revolução agrária, estabelecer os órgãos do poder político, bem como alargar as fileiras do Exército Vermelho e das forças armadas locais. Se, porém, a realização desses objetivos é impossível, ou se a dispersão das tropas provoca a derrota e o enfraquecimento do Exército Vermelho, como sucedeu em Agosto de 1928, por exemplo, quando uma parte das tropas da região fronteiriça Hunan-Quiansi foi expedida contra a cidade de Tsendjou, então mais vale não recorrer a ela. Mas, se as duas condições que enunciámos são preenchidas, a dispersão é, sem dúvida, desejável, na medida em que, então, se afigura mais vantajosa que a concentração.
A carta de Fevereiro do Comitê Central era injusta quanto ao espírito e exerceu uma influência negativa sobre uma parte dos camaradas pertencentes à organização do Partido do IV Corpo do Exército Vermelho. Além disso, na mesma época, o Comitê Central sublinhava, numa das suas circulares, que não era seguro que a guerra entre Tchiang Kai-chek e a camarilha de Cuanisi viesse a estalar. Posteriormente, porém, as apreciações e diretivas do Comitê Central foram justas, em geral. A fim de corrigir a apreciação inadequada contida na referida; circular, o Comitê Central elaborou uma outra. Se bem que a carta dirigida ao Exército Vermelho não tivesse sofrido qualquer retificação, as diretivas ulteriores do Comitê Central já não apresentavam as mesmas notas de pessimismo, e o seu ponto de vista sobre os movimentos do Exército Vermelho começou a coincidir com o nosso. Todavia, a influência negativa que a carta do Comitê Central exercera em certos camaradas não foi eliminada. Eis porque penso ser ainda indispensável esclarecer essa questão.
No mesmo mês de Abril de 1929, o Comitê da Frente apresentou ao Comitê Central um plano que visava conquistar a província de Quiansi no prazo de um ano. Posteriormente, em Iutu, foi tomada uma decisão nesse sentido. Os argumentos então apresentados foram expostos na carta seguinte, dirigida ao Comitê Central:
“As forças de Tchiang Kai-chek e da camarilha de Cuansi aproximam-se uma da outra, na região de Quiouquiam, sendo de prever grandes batalhas. A retomada da luta das massas, acrescida à agravação das contradições no interior do campo reacionário, torna possível, para breve, a verificação dum auge revolucionário. Em tais circunstâncias, ao elaborarmos os nossos planos, partimos do facto de que em duas das províncias do Sul, Cuantum e Hunan, as forças armadas dos compradores e dos senhores de terras são muito grandes, e que, além disso, em razão dos erros de caráter putchista cometidos pelo Partido, este perdeu, em Hunan, quase todos os seus membros e massas. A situação é porém diferente nas três províncias de Fuquien, Quiansi e Tchequiam. Primeiro, as forças armadas inimigas que aí se encontram são precisamente as mais fracas. Em Tchequiam não há mais do que pequenas guarnições provinciais, sob o comando de Tchiam Po-tchem(11). Em Fuquien, se bem que existam quatorze regimentos sob cinco comandos, a brigada de Cuo Fum-mim está já fora de combate; as unidades comandadas por Tchen Cuo-huei e Lu Sim-pam(12) são compostas de bandidos, sendo muito fraca a sua combatividade; as duas brigadas de infantaria de marinha estacionadas ao longo da costa nunca tomaram parte em combates, sendo seguramente reduzida a sua combatividade; as únicas tropas relativamente capazes de bater-se são as de Tcham Tchen(13) mas, segundo a análise feita pelo Comitê Provincial de Fuquien, dentre essas tropas só dois regimentos têm capacidade de combate relativamente elevada. Além disso, Fuquien encontra-se atualmente num estado de completa confusão e falta de unidade. Em Quian-si, as tropas de Tchu Pei-te(14) e de Sium Chi-huei(15) contam, no total, dezesseis regimentos. O seu poder militar ultrapassa o do Fuquien e Tche-quiam, mas cede em muito ao do Hunan. Segundo, nessas três províncias, os erros de caráter putchista foram relativamente pouco numerosos. Se deixamos de lado o Tchequiam, onde a situação não nos parece bem clara, podemos dizer que as organizações do Partido e a sua base de massas no Quiansi e no Fuquien são um pouco mais fortes do que no Hunan. Quanto ao Quiansi, existe ainda uma base francamente adequada no norte — nos distritos de Te-an, Síouchuei e Toncu. A oeste, nos distritos de Nincam, Ionsin, Lien-hua e Suei-tchuan, a força do Partido e dos destacamentos da Guarda Vermelha subsiste como no passado. No sul do Quiansi, as nossas perspectivas são ainda melhores: as forças do 2º e do 4º Regimentos do Exército Vermelho crescem de dia para dia, nos distritos de Qui-an, Ionfom e Sincuo; os destacamentos do Exército Vermelho comandados por Fuam Tchi-min não foram de modo algum aniquilados. Assim se criou uma situação para cercar Nantcham. Nós propomos pois ao Comitê Central que, durante a guerra prolongada entre os caudilhos militares do Kuomintang, lutemos contra Tchiang Kai-chek e a camarilha do Cuansi, a fim de conquistar o Quiansi, incluindo também o Fuquien ocidental e o Tchequiam ocidental. Os efetivos do Exército Vermelho seriam alargados nessas três províncias, assim como seria criado um regime de massas independente; o prazo para o cumprimento desse plano será um ano.”
Nesse plano, que visa a conquista do Quiansi, o erro está em ter-se fixado o prazo de um ano. Quanto à possibilidade de conquista do Quiansi, nós condicionávamo-la nessa carta, além da situação na própria província, à verificação próxima do auge revolucionário à escala nacional. Efetivamente, se não se está convencido de que o auge revolucionário deve intervir a breve prazo, não se pode de maneira alguma concluir na possibilidade de conquistar o Quiansi em um ano. O defeito da proposta estava em fixar-se o prazo de um ano, pois isso era, precisamente, dar uma interpretação colorida de impaciência às palavras “para breve”, na expressão “torna possível, para breve, a verificação dum auge revolucionário”. As condições subjetivas e objetivas que existem no Quiansi merecem uma atenção séria. Além das condições subjetivas de que se fala na carta dirigida ao Comitê Central, existem condições objetivas de que se podem já mencionar os traços seguintes: primeiro a economia do Quiansi é essencialmente feudal; o poder da burguesia comercial é relativamente fraco e as forças armadas dos senhores de terras são mais fracas do que em qualquer outra província do Sul. Segundo, o Quiansi não tem tropas provinciais próprias; as tropas que aí estão em guarnição pertencem sempre a outras províncias. Tais tropas, enviadas para a “exterminação dos comunistas” ou para a “exterminação dos bandidos”, não estão familiarizadas com as condições locais e não têm o mesmo entusiasmo, pois estão longe de sentir o mesmo interesse pessoal que as tropas locais sentem em tais ações. Terceiro, o Quiansi, à diferença do Cuantum, limítrofe do território de Hong Kong, onde quase tudo está sob controle britânico, afigura-se comparativamente livre da influência do imperialismo. Desde que se tenham em conta esses três fatores, podemos explicar como os levantamentos camponeses têm sido mais amplos e o Exército Vermelho e as unidades de guerrilhas mais numerosos no Quiansi do que em qualquer outra província.
A interpretação das palavras “para breve”, na expressão “torna possível, para breve, a verificação dum auge revolucionário”, constitui frequentemente um problema para muitos camaradas. Os marxistas não são oráculos. Quando eles falam dos desenvolvimentos e das modificações que intervirão no futuro, devem e podem indicar unicamente a direção geral, não devendo nem podendo determinar, mecanicamente, o dia ou a hora. Contudo, a minha afirmação segundo a qual na China se “torna possível, para breve, a verificação dum auge revolucionário” não é de modo algum uma frase vazia, no gênero das formulações apresentadas por outros: “é possível que intervenha um auge revolucionário”, as quais não expressam em coisa alguma a aspiração à ação e apresentam o auge revolucionário como qualquer coisa de ilusório, de inacessível. O auge revolucionário é como um navio no mar, do qual o cimo dos mastros já é visível à distância, para as pessoas que se encontram à beira da praia; é semelhante ao sol da madrugada que, levantando-se radioso a Oriente, pode ser visto de longe pelas pessoas que se encontram no topo das montanhas; é, enfim, semelhante à criança que já se agita no seio materno e há de ver em breve o dia.
___________ Notas :
(1) A presente carta foi escrita pelo camarada Mao Tsetung, para criticar certas tendências pessimistas que então existiam no Partido.
(2) O camarada Fuam Tchi-min, natural do distrito de Yi-iam, província de Quiansi, foi eleito membro do Comité Central do Partido Comunista da China pelo Sexto Congresso Nacional. Ele foi o fundador da região vermelha do nordeste do Quiansi e do X Corpo do Exército Vermelho. Em 1934, ele dirigiu a marcha para o Norte das unidades avançadas anti-japonesas do Exército Vermelho. Feito prisioneiro num combate contra as tropas reaccionárias do Kuomintang, em Janeiro de 1935, morreu heroicamente como mártir, em Nantcham, em Julho do mesmo ano.
(3) Por “forças subjectivas da revolução”, o camarada Mao Tsetung entende aqui as forças organizadas da revolução.
(4) Caudilho militar do Kuomintang e governador do Hunan em 1928.
(5) Trata-se da terceira invasão da base de apoio do Exército Vermelho nas montanhas Tchincam, efectuada pelos caudilhos militares do Kuomintang no Hunan e no Quiansi, cm fins de 1928 e começos de 1929.
(6) Trata-se da guerra, em Março-Abril de 1929, entre Tchiang Kai-chek, caudilho militar do Kuomintang em Nanquim, e Li Tsum-jen e Bai Tchon-si, caudilhos militares do Kuomintang no Cuansi.
(7) Trata-se da carta dirigida ao Comité da Frente pelo Comité Central, a 9 de Fevereiro de 1929. Na carta citada no texto, carta enviada pelo Comité da Frente ao Comité Central do Partido, a 5 de Abril de 1929, o Comité da Frente reproduziu, em linhas gerais, o conteúdo da carta de 9 de Fevereiro, que dizia principalmente respeito aos problemas relativos à apreciação da situação e às tácticas do Exército Vermelho. As opiniões contidas nessa carta do Comité Central eram inadequadas, razão por que o Comité, da Frente formulou opinião diferente na referida carta de 5 de Abril.
(8) Trata-se do massacre das forças revolucionárias do povo perpetrado pelas forças contra-revoíucionárias.
(9) O Congresso realizado em Julho de 1928 sublinhou que, a despeito da derrota de 1927, a revolução chinesa permanecia, pelo seu carácter, uma revolução democrático-burguesa, contra o imperialismo e o feudalismo. Ele sublinhou ainda que se verificaria inevitavelmente um novo auge da revolução mas que, enquanto isso se não verificasse, a linha geral do Partido seguiria sendo a da luta pela conquista das massas. O Congresso rejeitou o capitulacionismo de direita de Tchen Tu-siu de 1927, e criticou o putchismo de “esquerda” surgido no Partido imediatamente após a derrota de 1927, isto é, em fins de 1927 e princípios de 1928. (retornar ao texto)
(10) Em 1929, o Exército Vermelho partiu das montanhas Tchincam em direcção ao leste, rumo ao oeste do Fuquien; estabeleceu uma nova base de apoio revolucionária e criou os órgãos do poder politico popular revolucionário nos distritos de Lom-iem, Iontim e Chan-ham. (retornar ao texto)
(11) Comandante dos corpos de “preservação da paz” do Kuomintang, na província de Tchequiam. (retornar ao texto)
(12) Dois chefes locais de bandidos, cujas forças tinham sido incorporadas no exército do Kuomintang. (retornar ao texto)
(13) Comandante de divisão do Kuomintang. (retornar ao texto)
(14) Caudilho militar e governador do Kuomintang no Quiansi. (retornar ao texto)
(15) Comandante de divisão do Kuomintang, no Quiaiisi. (retornar ao texto)