“Que tempos são esses em que é preciso dizer o óbvio?”
Bertolt Brecht
Em 20 de setembro de 2024, a Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiu o Pavilhão João Lyra do campus Maracanã da UERJ. Quem violou a autonomia universitária não foi o governo estadual de extrema-direita do genocida Cláudio Castro (notório bolsonaristas, responsável pela violência policial contra o povo pobre no nosso estado), mas sim a “gestão democrática” da REItoria de Gulnar Azevedo e Bruno Deusdará. Na realidade, todos e todas que acompanham de perto a situação da UERJ já não têm dúvidas que a invasão representou a consequência mais nefasta (até agora) das decisões políticas da “chapa de esquerda” de Gulnar-Deusdará eleita na última eleição para Reitoria.
Durante o recesso a REItoria assinou a AEDA 0038. Em resposta, uma ocupação estudantil se desenvolveu na sede da Administração Central. Contra a AEDA da FOME, os estudantes da UERJ lançaram mão da tática histórica e já centenária de ocupação dos prédios de universidades. Não somente isso, o movimento estudantil colocou a estrutura burocrática para funcionar segundo os seus próprios interesses, sempre seguindo deliberações de assembleias gerais estudantis, em meio à luta pela assistência estudantil e apontando para a conquista da verdadeira democracia universitária.
A REItoria do PT e do PSOL, julgando como ilegítimo a luta, iniciou uma verdadeira caçada ao movimento estudantil combativo. Através da Procuradoria Geral da UERJ (subordinada à REItora Gulnar), citou nominalmente 5 estudantes e 1 técnico-administrativo. Não bastando, solicitou uma reintegração de posse com o uso da força policial. Que veio, finalmente, no fatídico dia 20 de setembro de 2024.
Os estudantes elevaram a sua organização e sua disposição de luta. Em reunião com representantes do reacionário governo estadual, já havíamos conquistado R$ 165 milhões. Reunindo o apoio de milhares por todo o país, a assembleia estudantil do dia 18 de setembro, decidiu pela resistência política ativa.
Gulnar, em apuros por ver seus planos reacionários para a UERJ ir de ladeiro abaixo, deu entrevista à imprensa reacionária e organizou uma “Marcha pela democracia” (sic) na UERJ – que mais se pareceu com a “marcha em defesa da família com deus pela liberdade” – que aglutinou desde privatistas até liberais do Instituto Millenium. Para coroar sua postura de antidemocrática, intransigente e de inimiga dos estudantes, a REItora conseguiu, enfim, o que queria. No dia 20 de setembro, mais de 300 policiais invadiram a UERJ com armas, helicópteros, armas ultrassônicas israelenses, balas de borracha, gases lacrimogêneo e de efeito moral, além de virem com dois ônibus para prender os mais de 100 estudantes que ocupavam a universidade. Os policiais militares não atingiram seu objetivo de prender e, na realidade saíram humilhados. Embora tenham prendido três estudantes e o deputado federal Glauber Braga, os estudantes organizaram uma grande operação de retirada e deram um olé saindo pelo Portão 4, de maneira histórica e com renovado espírito de luta.
Neste ano, marcado pela greve das universidades federais, onde nenhuma outra universidade conquistou tanto em tão pouco tempo, a luta em defesa da UERJ e sua histórica greve de ocupação da Reitoria apontam um caminho concreto para garantir a educação superior pública, gratuita e que sirva ao povo. Este é o caminho que deve ser fortalecido. A luta contra a elitização e privatização da UERJ não está ganha. A REItora segue articulando com “deus e o diabo” para confundir a comunidade acadêmica e enlamear a justa luta movida pelos estudantes.
Não nos interessa somente a revogação da AEDA da FOME, mas sim a conquista de uma verdadeira assistência estudantil, única garantia de uma verdadeira política de assistência estudantil. E essa luta se subordina à luta pela verdadeira democracia dentro da UERJ.
Problemas continuam!
Menos de 10 dias após a desocupação forçada da UERJ, estudantes que perderam as bolsas engrossaram as filas gigantescas no bandejão e o tempo de espera num sol escaldante ultrapassou as 2 horas. Gulnar deu de ombros para a superlotação do bandejão. Em nova entrevista à imprensa reacionária, ela celebrou o fato de que “mais estudantes estejam convivendo no campus” (!). Na mesma semana, em uma reunião com o Instituto de Medicina Social (IMS), a REItora Gulnar foi cobrada por alunos e professores sobre a falta de comida no bandejão e pela invasão da UERJ pela Choque. Em resposta, Gulnar novamente mentiu: falou que foi “ameaçada de morte”, que “sofreu assédio” e que achou na sua sala “bombas e armas”. Já que ela está disposta a seguir nos ataques à nossa legítima luta, fazemos um desafio: que ela comprove que quem estava armado até os dentes para a agressão eram, não os seguranças “capa preta” coordenados pela Andreia (como todos sabemos), mas sim os estudantes!
Não há nenhum outra alternativa aos estudantes e trabalhadores da UERJ interessados na defesa da educação democrática, pública, gratuita e à serviço ao povo: é preciso conquistar a autonomia estudantil através do co-governo estudantil.
Co-governo estudantil: caminho da conquista da Autonomia e Democracia Universitárias
Muito se fala e se diz sobre Autonomia Universitária. O governador de SP (o bolsonarista Tarcísio de Freitas) defendeu “autonomia” para sugerir que as universidades paulistas se vincularem às empresas privadas. Na UERJ, em 2017, o ex-reitor Ruy Garcia Marquez já defendeu propostas semelhantes. Defendendo a “autonomia da UERJ”, Gulnar e Deusdará não deixaram claro o que é que defendem. Vamos, então, responder a algumas das principais dúvidas sobre essa importante questão.
O que é democracia universitária?
É a participação plena e efetiva do conjunto dos integrantes da comunidade acadêmica nas deliberações administrativas, decidindo para onde vão e com que finalidade serão empenhados o orçamento que o governo do estado anualmente nos envia. Garantir o co-governo – participação de 50% dos estudantes e 50% dos trabalhadores em educação (professores, técnicos e terceirizados) – é a única solução para pôr fim à evasão estudantil na UERJ, garantindo bolsas e auxílios para a permanência dos alunos pobres.
Mas a UERJ não é democrática?
Não. Embora a constituição garanta “Autonomia Universitária” para a UERJ, o sistema político vigente na nossa universidade não defende os estudantes mais pobres. Por isso, fala mais alto os compromissos firmados entre governo e classes dominantes, que sugam grande parte do orçamento. A existência de bolsas fantasmas para indivíduos ligados à extrema-direita, por exemplo, é só um dos exemplos desses acordões.
O sistema atual também não impede a violação de direitos e garantias fundamentais – como vimos no último dia 20 de setembro, com a entrada de um verdadeiro maquinário de guerra.
Então a Autonomia Universitária na UERJ é uma mentira?
Não exatamente. A UERJ tem, ano após ano, condições de pleitear verbas para seu custeio ao governo estadual através da Assembleia Legislativa do Estado do RJ (ALERJ). Ocorre que não são os interesses dos estudantes os que falam mais alto. Embora seja fundamental que o movimento estudantil pleiteie mais verbas, não há garantia de que essa verba será destinada para a manutenção dos estudantes pobres.
Tudo isso ficará ainda mais grave no ano que vem, quando o “rombo” do cofre público chegará a R$ 14,6 bilhões (maior que o total destinado para a área de educação no estado do RJ!!!).
Foi a primeira vez que os estudantes da UERJ foram prejudicados pela falta de verbas?
Não. Em 2017, após os “mega-eventos” (Copa e Olimpíadas), o estado do RJ se destacou em termos de crise econômica. Nesse momento, o governador Pezão atrasou o repasse de verbas e milhares de estudantes e servidores foram afetados. Dentro da UERJ, alguns professores chegaram a defender a cobrança de mensalidades e a privatização. Os estudantes chegaram a ficar um semestre inteiro sem Bandejão, pois não havia repasse de verbas para a empresa terceirizada. Naquele momento, o MEPR e estudantes independentes ocuparam o bandejão e colocaram-no para funcionar, assumindo toda a direção daquela importante parte da UERJ, impedindo a evasão estudantil naquele período.
Qual é o caminho para tornar a UERJ democrática?
A verdadeira democracia e autonomia universitárias só podem ser conquistadas com o controle paritário entre a comunidade acadêmica. O co-governo estudantil representa a participação política efetiva nos conselhos deliberativos (desde os departamentais até a instância máxima, o Conselho Universitário).
A autonomia universitária na forma de co-governo estudantil é garantia de que os estudantes poderão entrar e permanecer, produzindo pesquisas que não sejam controladas pelo capital e nem sejam subordinadas aos acordões espúrios.
Contudo, não é possível garantir a autonomia na forma que se organiza hoje o sistema de poder. Por isso essa é uma luta tão importante, que só será efetivada em um processo que mobilize o conjunto do corpo estudantil, desde cada curso, escalando para cada departamento, centro até englobar toda a universidade.
Autonomia Universitária: para quem?
A autonomia universitária, inscrita na constituição federal e estadual, está ameaçada. Sua defesa de boca não nos ajuda a dar um só passo na luta por uma UERJ que sirva ao povo.
Defendendo a “autonomia universitária”, no ano de 2017, o STF aprovou a cobrança de taxas em cursos de pós-graduação. Quem não se recorda que, no mesmo ano, a secretaria de Fazenda do estado do RJ sugeriu o “fim da UERJ”. Em resposta, o reitor Ruy Garcia Marquez foi à revista VEJA defender a “ampliação dos laços com a iniciativa privada”.
Já Gulnar e Deusdará abrem a boca para falar de “gestão democrática”, “práticas educacionais emancipatórias”, “raça e gênero”. Gulnar chegou mesmo a prometer, ainda em campanha, que não cortaria nenhum auxílio: “Vamos ampliar a assistência estudantil”, disse a sorridente Gulnar, bem diferente da Gulnar autoritária que se recusou a receber estudantes para negociar durante a greve.
Até agora, o que a chapa de Gulnar-Deusdará apresentou foi uma continuidade de todos os ataques à educação pública gratuita e democrática.
Na “Uerj de cotas, de favelado”, não se pode colar cartaz como um direito democrático de liberdade de expressão.
Em tempos sombrios, seguiremos defendendo a verdade, ainda que signifique dizer o óbvio, como dizia Brecht.
É revoltante que a “UERJ de cotas e de favelado” esteja expulsando mais de 5 mil estudantes. É um absurdo a criminalização dos que lutam.
Uma reitoria que criminaliza estudantes não é de esquerda.
Ocupar universidade não é caso de polícia.
Seguiremos falando que LUTAR NÃO É CRIME! REBELAR-SE É JUSTO!
Movimento Estudantil Popular Revolucionário – MEPR
Outubro de 2024.